Por Patrick Cash
Dan tinha 14 anos quando pegou algumas facas para se matar. Crescendo em uma família judia ortodoxa, onde ser gay era uma abominação, ele estava tão deprimido que sentia como se estivesse em uma caverna. Sozinho na casa, ele olhou para as lâminas afiadas sem saber como começar.
De repente, uma voz ecoou: “Tem alguém em casa?” Era uma amiga da mãe dele. O momento passou. Hoje, ele quase nunca pensa naquela noite. “Era muito doloroso ser gay na infância”, afirma Dan. “A ponto de eu enterrar num lugar muito profundo da mente, porque era horrível psicologicamente. Nunca falei sobre muitas coisas e tenho muita sorte de ter conseguido sobreviver a isso.”
“A saúde mental [lésbica, gay, bissexual e trans] é um problema real e considerável”, afirma Matthew Todd, editor da revista Attitude, que aborda o assunto em seu próximo livro, Straight Jacket (um trocadilho com “camisa de força” – “straitjacket” em inglês – e “hétero” – “straight”). “Desde o nascimento, a sociedade trata todo mundo como heterossexual. Se você não for heterossexual e/ou cisgênero [quando o seu gênero é o mesmo que o sexo designado ao nascer], existe uma pressão imensa para reprimir essa parte de você.
“O momento mais importante é durante o crescimento. Recebemos isso dos pais, da escola, das religiões, do governo historicamente, da mídia, em todo filme que você assiste e todo livro que lê. O mundo não é tão seguro para a população LGBT quanto para a população hétero.”
Essa heterossexualidade presumida em todo mundo também é conhecida como “heteronormatividade”. Veja na publicidade, por exemplo. “Tive muita sorte de morar um tempinho em Berlim”, conta Dan, hoje um homem confiante de 31 anos. “No metrô, você vê muito mais anúncios retratando casais gays. É um sentimento diário de pertencimento e afirmação.”
Recentemente, quando a agência de viagens Expedia lançou uma propaganda com um casal gay em Londres, a resposta nas redes sociais foi variada, entre positiva e sem repercussão, até usuários que alegaram que era “nojento” e tinha provocado “vômito intenso” neles. Também apareceu bastante do sempre original “odeio viado”.
O relatório RaRE, estudo conduzido ao longo de cinco anos encomendado pela instituição filantrópica de saúde mental LGBT Pace, descobriu que 34% da população jovem LGB pesquisada (com menos de 26 anos) tinha tentado suicídio pelo menos uma vez na vida. O índice entre jovens trans chega a 48%. Isso contrasta com 18% entre heterossexuais e 26% entre a população jovem cisgênero. As maiores causas identificadas foram homofobia ou transfobia e “dificuldade de ser LGB ou trans na família [e] na escola”.
Em 1988, um trecho da legislação britânica chamado Artigo 28 foi introduzido nas escolas, implantado por Margaret Thatcher. Ao mesmo tempo vago e abrangente, o texto proibia a “promoção da homossexualidade”. Professores de todo o país morriam de medo de sequer dizer a palavra “gay” ou abordar o bullying homofóbico por temerem perder o emprego.
Embora o Artigo 28 tenha sido revogado em 2003 pelo governo do Partido Trabalhista, essa fumaça ainda rodeia as tubulações do nosso antiquado sistema educacional, espessa o suficiente para asfixiar a maior parte do sentimento de pertencimento da população LGBT.
“Precisamos falar mais sobre diversidade sexual. Mais normalidade”, afirma Callum Berry, 18, que saiu da escola dez meses atrás. “Com certeza encontrei homofobia entre os 11 e 15 anos de idade, antes de aceitar completamente que era gay. Sofri com períodos de intenso TOC e fiquei obcecado com a ideia de ter uma vida “hétero” normal, então passei por um período em que me machucava e tinha ansiedade, e ficava muito nervoso toda vez que via um homem pelo qual sentia atração”.
O relatório RaRE, estudo de cinco anos encomendado pela instituição filantrópica de saúde mental LGBT Pace, descobriu que 34% da população jovem LGB (com menos de 26 anos) pesquisada tinha tentado suicídio pelo menos uma vez na vida. O índice entre jovens trans chega a 48%.
O relatório RaRE aponta que 57,1% da população LGB e 85,2% das pessoas trans já se automutilaram pelo menos uma vez. Callum diz que a aceitação que ele teve da família foi essencial para conseguir sobreviver a esse período, além de “ver e conhecer amigos deles que eram felizes sendo gays”.
A Mind é a maior instituição filantrópica de saúde mental do Reino Unido e reconhece que as cicatrizes deixadas pelo isolamento da juventude LGBT podem continuar doendo na vida adulta. “Ainda faltam serviços locais que atendam as necessidades da população LGBT”, afirma Geoff Heyes, Gerente de Políticas e Campanhas. “A Mind quer que o acesso e a disponibilidade dos serviços de saúde mental sejam realmente focados na pessoa e que os conselheiros de saúde compreendam a importância de oferecer uma assistência afirmativa e inclusiva de verdade para as pessoas LGBT.”
Lydia Cawson, mulher lésbica de 29 anos, atualmente estuda para se tornar profissional de saúde mental. Parte disso é porque ela acredita que não há ajuda acessível suficiente para as pessoas da comunidade LGBT.
“Sofri muito com a minha saúde mental”, conta. “Nunca recebi nenhuma ajuda para discutir a minha sexualidade, gênero e identidade pessoal, porque esses fatores eram mascarados por outras preocupações com a saúde. Tive anorexia entre os 16 e 21 anos e muitas vezes ouvi que isso era a minha rejeição à feminilidade e à condição de mulher. Eu era provocada a encontrar essa ligação e ‘melhorar’. Não havia nenhuma consideração de que isso era parte do problema.”
O relatório RaRE aponta quantas mulheres lésbicas e bissexuais usam o álcool para “controlar sentimentos desconfortáveis ou indesejáveis… Em relação a preocupações ligadas à atração pelo mesmo sexo”: 37,1% das mulheres LGB do estudo consomem bebidas alcoólicas em níveis prejudiciais à saúde. As causas envolvidas, mais uma vez, são experiências na adolescência e a ligação feita entre sexualidade e o medo das reações ao se assumir, além do consumo de álcool como uma muleta para lidar com expectativas familiares heteronormativas.
Esse argumento pode explicar, em parte, o recente aumento do “chemsex” – o sexo químico – entre homens gays, em que mefedrona, GHB (ácido gama-hidroxibutírico) e metanfetamina são usados na prática sexual. Monty Moncrieff é diretor executivo da London Friend, que oferece o serviço de apoio ao dependente químico LGBT Antidote. “Sem dúvida parece haver uma ligação entre o consumo de drogas se tornar um problema e as pessoas terem dificuldade com a sua identidade e autoestima [LGBT]”, avalia. “Uma coisa que muitas pessoas dizem para nós é que o que elas realmente querem é mais intimidade emocional nos relacionamentos sexuais.” Como afirma o especialista em chemsex David Stuart, se você bloqueia a intimidade na adolescência, escondendo o seu sexo por vergonha, pode ser difícil encontrar intimidade mais tarde na vida na prática sexual de fato.
Além disso, a ideia do sexo gay ainda é tabu para muitos. Atitudes preconceituosas de alguns homens (supostamente héteros) condenando o sexo gay ficaram claras recentemente quando a VICE publicou Fotos da Maior Premiação do Pornô Gay do Reino Unidono Facebook. Nos comentários, cerca de 50 caras marcaram os amigos como se eles tivessem ganhado algum prêmio. Perguntei ao doutor Qazi Rahman, do Instituto de Psiquiatria da King’s College de Londres, se ele tinha alguma ideia do porquê desse humor, que pode facilmente ser rotulado de “gay shaming”.
“É uma forma de estimular o status social entre redes de amizade de homens heterossexuais e a autoestima, exaltando o grupo de iguais (heterossexuais) mantendo certos tipos de preconceito”, avalia o especialista. “A tendência humana de formar grupos de iguais e de diferentes faz parte da nossa psicologia de coalizão, mas também é maleável e pode mudar. É por isso que alianças entre gays e héteros nas escolas são uma boa ideia, porque promovem um novo grupo de “coalizão” entre alunos LGBT e héteros.”
Alianças entre gays e héteros são bastante incomuns na cultura de massa. Na TV, pelo menos, parece que não superamos o eterno template que fica julgando a roupa alheia e carregando as sacolas de compras para a Carrie em Sex and the City. É raro ver um cara hétero com um melhor amigo gay na tela. Socialmente, também, a “cena” LGBT é – com algumas exceções importantes – em grande parte segregada. Há quem goste assim, mas a coisa do nós-e-eles produz mentalidades próprias nada saudáveis.
A cena gay, como eu mesmo já senti na pele, está cheia de visões bastante irreais de perfeição do corpo masculino. “É o controle”, diz Damien Killeen, ator de 25 anos e barman no Soho. “Você tem controle sobre o seu corpo, apesar de não conseguir controlar mais nada. Então se as pessoas vão te olhar e pensar que você é nojento pelo que faz sexualmente, pelo menos podem ficar com um pouquinho de inveja do fato de que você é bonito pra caralho… É difícil ver uma forma de romper com isso como sociedade e mais como comunidade – somos muito obcecados com isso.”
59,2% dos homens gays e bissexuais estão infelizes com o próprio corpo, segundo o relatório RaRE, em contraste com 40% dos homens heterossexuais. Sentimentos de baixa autoestima projetados na idolatria ao ideal masculino da sociedade, combinados a homofobia na escola ligada à aparência física, foram identificados como causas comuns.
Mas baixa autoestima tem uma implicação para a saúde física também: infecções transmitidas sexualmente. Pois, se você não se valoriza como pessoa, por que se protegeria contra o HIV?
Adrian Hyyrylainen-Trett está concorrendo ao parlamento pelo Partido Liberal Democrata na região de Vauxhall. Recentemente, ele se revelou soropositivo em uma entrevista franca a Patrick Strudwick. “Estou 100% convencido de que a homofobia que sofri na adolescência me levou a um comportamento muito autodestrutivo e acabei querendo deliberadamente me aniquilar”, contou.
Um diagnóstico positivo para HIV, em muitos casos, leva a ainda mais problemas psiquiátricos entre a população LGBT. “Doenças mentais e o HIV estão muitas vezes ligados”, afirma Eleanor Briggs, Diretora Assistente de Políticas e Campanhas da National AIDS Trust. “As pesquisas sugerem que a depressão é duas vezes mais comum entre pessoas que vivem com HIV do que na população em geral. Às vezes, o estigma contra si próprio e o sentimento de culpa fazem com que as pessoas sintam que não têm valor – o que pode piorar muito com a homofobia internalizada.” E aí você tem as fontes gêmeas da sabedoria, Nigel Farage e Richard Littlejohn,vociferando sobre o assunto feito dois vilões cômicos de meia tigela, expelindo despropósitos de ignorância um no outro em um pesadelo do qual ninguém consegue fugir.
Estou 100% convencido de que a homofobia que sofri na adolescência me levou a um comportamento muito autodestrutivo e acabei querendo deliberadamente me aniquilar – Adrian Hyyrylainen-Trett, Pré-candidato ao Parlamento pelo Partido Liberal Democrata na região de Vauxhall
Tudo isso é apenas a ponta do iceberg da saúde mental LGBT, mas podemos tentar contribuir. Como aponta o relatório RaRE, é essencial promover o treinamento completo e a conscientização LGBT entre profissionais de saúde. Eu, pessoalmente, ouvi um homem gay de 21 anos sob internação compulsória afirmar que sofre discriminação de uma equipe de enfermeiros extremamente religiosa.
Hyyrylainen-Trett é bem taxativo ao falar sobre como começamos a desenrolar esse emaranhado no âmago do problema: educação sexual sobre relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.
“Se houvesse uma educação adequada e aberta sobre sexo e relacionamentos em todas as escolas, a discussão sobre diferentes famílias e modelos LGBT na Grã-Bretanha do século 21, tenho certeza de que as crianças teriam mais consciência sobre as diferenças e as pessoas não ficariam de lado permitindo o bullying”, avalia. Essa visão se alinha com a campanha para introduzir a educação sexual e de relacionamentos com o enfoque nas relações entre pessoas do mesmo sexo, que ganhou mais um reforço há pouco tempo em uma convocação da União Nacional de Professores do Reino Unido para discutir sexualidade e gênero.
Recentemente, o Partido Trabalhista anunciou o manifesto LGBT “Um Futuro Melhor para a Comunidade LGBT Britânica”, em que promete “transformar o acesso aos serviços de saúde mental para a próxima geração LGBT”. Na mesma semana, um inquérito apurou que a mulher transgênero Mikki Nicholsoncometeu suicídio em novembro depois de sofrer intimidação na rua. O enfermeiro psiquiátrico comunitário dela, Clive Guyo, afirmou: “Ela descrevia Carlisle como um lugar hostil para pessoas que são diferentes”.
Se o ódio se origina do medo da diferença, então a compreensão é o nosso primeiro passo para erradicar o medo. James Taylor, Chefe de Políticas da Stonewall, diz: “Nossa ambição é por um mundo onde cada pessoa LGBT possa ser aceita sem exceção”. O desenvolvimento moral ainda não atingiu seu clímax com a era moderna. No futuro, os historiadores poderão olhar para a nossa cultura e avaliar que tivemos coragem de fazer com que todos os seus membros tenham sentimento de pertencimento, dentro de nossas escolas e na família.
Dan (Glass,o homem que liderou o protesto Cabaré da Diversidade no bar de Nigel Farage) é grato por nunca ter usado as facas naquela noite. Não foi o caso de Ayden Keenan-Olson, que teve uma overdose com a mesma idade em que Glass considerou o suicídio, 14, depois de sofrer bullying por ser gay. Isso não acontece com a “juventude LGBT” – acontece com a nossa juventude, ponto final. Se permitirmos que as coisas fiquem como estão, se não discutirmos os estigmas que ainda existem na sociedade no nível da formação, nenhum de nós – gay ou hétero – poderá sequer chegar perto da noção de orgulho.
Se você tem algum familiar ou passa por uma situação delicada não fique em silêncio. Peça ajuda, fale com alguém, procure um profissional. Aqui temos algumas possibilidades:
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Centro de Valorização da Vida (CVV)
A instituição é uma das mais sérias do país. Começou em 1962 na cidade de São Paulo e hoje tem 70 postos de atendimento em todo país. Os voluntários se colocam à disposição para ouvir sem julgar ou dar sermão.
Acesse o site: cvv.org.br ou disque 141.
Algumas universidades mantém institutos de pesquisa sobre o tema:
Laboratório de Estudos Sobre a Morte (LEM)
O grupo de pesquisa é relacionado ao Instituto de Psicologia da USP e, além de estudos sobre o tema, presta assistência à comunidade.
Acesse o site: www.ip.usp.br/laboratorios/lem/lem.htm ou ligue (11) 3818-4185, ramais 31 e 33.
Instituto Sedes Sapientiae
Criado em 1978, a entidade tem um trabalho sério de formação de profissionais ligados à saúde mental. Entre os cursos e palestras há também atendimento à pacientes.
Acesse o site:sedes.org.br ou ligue para (11) 3866-2730.
Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic
O instituto ligado a PUC de Sâo Paulo faz atendimentos, avaliações e orientações.
Acesso o site:pucsp.br/clinica ou ligue (11) 3862-6070.
@paddycash
Tradução: Aline Scátola
Imagem de capa: Shutterstock/Benny Marty
TEXTO ORIGINAL DE VICE
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