O mais conhecido seriado norte americano é realmente espantoso: Seinfeld, um show autodeclarado sobre ‘nada’. É sobre nada mesmo, e não sobre o nada, não se trata de ontologia e sim de um tipo de humor estruturados de uma forma intrigante.
Antes, porém, devo dizer que Seinfeld é um seriado de altíssimo sucesso considerado uma referencia do humor contemporâneo, tido como pós-moderno ao lado de Monty Python devido ao fato de estruturar certa concepção de mundo niilista. Por quê? Em primeiríssimo lugar porque não existe um sentido que confere ao seriado uma ‘História’, cada episódio é uma pequena historinha fechada em si-mesma sobre mal-entendidos, situações cotidianas banais, interesses mesquinhos, inseguranças, medos, Egoísmo – Desencontros no âmbito amoroso -. Exato, não existe um romance em Seinfeld ou pelo menos um que não deslogre por motivos diferentes dos roteiros novelísticos convencionais.
Dito isso podemos pensar os personagens excluindo aquilo que neles aparenta “neuroses cotidianas”, pois o mais essencial aqui é o fato dos 4, Jerry, George, Kramer e Elaine serem também fechados e imutáveis em si-mesmos. Isto é, eles são superficialmente afetados uns aos outros, incapazes de se transformarem em cada episódio ou mesmo ao longo de todo o Show que durou aproximadamente 9 anos! Existe um projeto chamado “movimento Seinfeld” que oferece semanalmente um texto sobre cada episódio, assim deixo a referencia para quem quiser entender melhor sobre como funciona os enredos e a dinâmica do programa: http://movimentoseinfeld.com.br/.
Eu quero traçar um paralelo entre a estrutura desse – ‘Show About Nothing’ -, e o que em psicanálise se convenciona chamar de transtornos de personalidades (de caráter), decorrentes de feridas narcísicas aonde o conflito pulsional é vivenciado no próprio Ego e expresso em atuações excêntrica inapropriadas, sem trabalho de recalque. Essas atuações configuram personagens que são figuras excêntricas (no sentido do que está fora), desconectadas da realidade, sem algo organizado em virtude de um propósito vinculado a um sentido ou projeto – Um Self integrado–.
Ou seja, tanto no Show quanto na descrição dos transtornos de personalidade encontramos vivências apresentadas em fragmentações pulverizadas, em ‘historinhas’ sempre desconexas umas das outras, e que gravitam ao redor de pequenos núcleos vazios: O puro nada dos prazeres narcisistas; Sentir-se (no Ego) melhor ou pior do que os outros, a busca desesperada por aceitação, sexualidade vivida superficialmente e a consequente irrupção de sentimentos crônicos de vazio etc.
O problema é que sem um propósito, sem um senso de finalidade ultima, obstrui-se significativamente a possibilidade de aprendizado, de troca, ou seja, de amor e de transformação; implicando aqui na generosidade do amor, no ‘dar’, ainda que seja (…) dar o que não se tem… Notem que a dinâmica dessas figuras implica em posições fixas: Então a figura do “fracassado” só pode existir porque há o contraponto que é a figura do “Winner“, tudo já pré-rotulado para a insistência da imutabilidade.
A perversidade, sádica e masoquista, acaba diluída na leveza da montagem dessas relações bem como na capacidade de articulação dessas figuras. No fundo, o humor funciona como o elemento de suporte e denuncia de toda essa convivência absurda cujo porta-voz e personagem principal, Jerry, é o comediante de Stand-up. O absurdo dessa convivência que gravita em torno de nada é confessada como chiste: A genialidade aqui consiste em uma sinceridade quase ingênua de Jerry, fazendo da sutileza do chiste uma arte de confessar a verdade do inconsciente, que também aqui não deixa de ser muito obscena apesar de bem dosada. Ela é uma provocação sem dúvida.
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