Nas últimas décadas, o acelerado desenvolvimento das pesquisas e experimentos psicofisiológicos levaram os cientistas a constatarem que não temos apenas cinco sentidos. Até o momento sabe-se que o nosso organismo dispõe de pelo menos 11 sistemas sensoriais. Dentre esses, existem dois sentidos que são muito pouco conhecidos pelo senso comum, são eles: o sentido cinestésico e o sentido vestibular.

O sentido cinestésico possibilita a percepção do movimento ou repouso do corpo. Ele fornece informações sobre as posições relativas dos membros e outras partes do corpo durante os movimentos e sobre as tensões musculares. Vejamos, por exemplo, se você fechar os olhos e encolher os dedos, o sentido cinestésico é o que te possibilitará tomar consciência desse movimento. Esse sentido capacita-nos não só a monitorar continuamente o que as partes do corpo estão fazendo, mas também a equilibrar a tensão muscular pelo corpo inteiro para que possamos nos movimentar com eficiência. É por isso que o sentido cinestésico está associado à vontade, ou seja, ele é um sentido de ordem volitiva, pois freqüentemente nos movemos porque queremos fazê-lo.

O sentido vestibular é às vezes chamado de sentido de orientação ou equilíbrio. Ele fornece informações sobre o movimento e a orientação da cabeça e do corpo em relação à Terra conforme as pessoas movimentam-se sozinhas ou em veículos como carros, aviões, barcos e outros. Essas informações, que não adentram a consciência, ajudam as pessoas a manterem uma postura ereta e a ajustá-la durante os movimentos. O sistema vestibular ajuda também na visão. A cabeça move-se continuamente conforme inspecionamos o meio ambiente, os olhos movem-se automaticamente para compensar os movimentos da cabeça, um reflexo iniciado pelo sentido vestibular.

Acredita-se que os sentidos cinestésico e vestibular estiveram entre os mais importantes para os nossos ancestrais durante a evolução. A capacidade de guiar-se, localizar-se, posicionar-se e coordenar movimentos está intimamente associada a esses sentidos. Tanto é que o sistema vestibular desenvolve-se apenas algumas semanas após a concepção e desempenha papel fundamental no desenvolvimento inicial da criança. Estudos na área mostraram que até metade das crianças com distúrbios de aprendizagem mostram sinais de disfunção vestibular. Similarmente, as habilidades relativas ao sistema cinestésico são aspectos essenciais na análise sobre o quanto o desenvolvimento psicomotor de uma criança está sendo apropriado.

Apesar dos sentidos cinestésico e vestibular estarem associados ao controle do movimento e à consciência corporal, no âmbito da fisiologia de cada um deles há diferenças consideráveis. Assim como o Tato, o sentido cinestésico depende de vários tipos de receptores que se espalham por todo o corpo. Diferentemente do tato, porém, cujos receptores encontram-se na pele, no sentido cinestésico eles encontram-se nas articulações, nos músculos e nos tendões. Uma vez que o estímulo é captado por esses receptores, as mensagens eletroquímicas trafegam até o córtex somatossensorial, localizado nos lobos parietais do cérebro. Já o sentido vestibular depende dos órgãos vestibulares, localizados nas partes ósseas do crânio em ambos os ouvidos internos. As mensagens dos órgãos vestibulares trafegam por varias partes do cérebro. O cérebro, então, combina essas informações com aquelas fornecidas pelos sentidos visual e cinestésico para orientar o corpo no espaço. Quando as informações fornecidas por esses três sistemas sensoriais entram em conflito ocorrem problemas relativos à percepção do corpo no espaço. Uma ilustração disso é quando você está em um barco que oscila nas ondas do mar. Enquanto os olhos dizem para o cérebro que a cena diante de você está parada, o sistema vestibular envia mensagens de repetidas sacudidas do barco. Resultado: o surgimento de sensações de desconforto e desequilíbrio físico como a tontura e a náusea.

E isso é bom! Se o cérebro não pudesse distinguir entre os movimentos do observador e os movimentos do cenário, melhor dizendo, se toda vez que você se virasse ou andasse o cenário parecesse borrado ou as paredes parecessem se mover, você provavelmente logo desistiria de se mover por completo, inseguro quanto às ameaças externas, sem a ajuda de nenhuma bússola interna como referência. Podemos pensar, portanto, que os sentidos vestibular e cinestésico são essenciais para uma percepção completa da individualidade. Afinal, a percepção de quem somos passa necessariamente pela identificação do nosso corpo como algo distinto do ambiente. O que só é possível à medida em que a capacidade de controlar o próprio corpo nos ajuda a definir os limites entre nós mesmos e o mundo à nossa volta. Para que um indivíduo reconheça um movimento fora de si mesmo, tal movimento terá que ser induzido no próprio corpo. Quando observamos a diferença entre dois pisos – uma calçada e um trecho asfaltado, por exemplo – o olho só percebe a cor e a textura que distingue os dois segmentos, pois a forma e o limite entre eles são percebidos com o sentido cinestésico.

Com os sentidos vestibular e cinestésico o corpo não vê, mas percebe as superfícies e arestas, extensão, altura, largura, profundidade. Todos, elementos que constituem a percepção do próprio corpo, dos movimentos que ele cria e do espaço no qual ele se localiza. Caminhar, sentar, deitar, rolar, levantar, abaixar, deslizar, correr, girar, tocar-se… Movimentar-se é, em parte, a grande obra dos sistemas cinestésico e vestibular. Podemos mesmo pensar que a dimensão, importância ou relevância do que vemos e sentimos é, numa certa medida, influenciada pelo lugar que o nosso corpo ocupa no espaço, ou pela percepção que temos desse corpo em um determinado espaço. E é por isso que o caminho para a autoconsciência passa pelas vias nervosas desses sistemas, pois não há como negarmos que a jornada rumo à consciência de quem somos e de onde estamos passa pelo corpo.

Angelita Corrêa Scardua

Psicóloga, Mestre e Doutoranda pela USP (SP). Especializada em Desenvolvimento de adultos, na experiência de Felicidade e nos estudos da Psicologia Social.

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