Observando a questão da sexualidade nos dias de hoje, vejo que saímos de um modelo totalmente repressor, para um modelo aparentemente permissivo ao extremo. Muitos acreditam estar vivendo a liberdade sexual, porém, acredito que essa dita liberdade está sendo confundida com liberalidade ou licenciosidade, assim como temos visto na TV, nos jornais, no carnaval, nas novelas, nas famílias etc.
A liberdade foi confundida com “tudo posso”, “tudo me é lícito”. É claro que não estou falando em termos de leis, justiça, pecado ou moral. Falo em termos de consciência, de saúde física e mental. Falo do respeito ao outro a si próprio.
Quando o indivíduo pensa que “tudo pode”, sem uma devida reflexão sobre as consequências disso, ele tende a passar por cima de muitas coisas, incluindo sentimentos e pessoas.
Essa liberalidade parece estar afastando o sujeito daquilo que é fundamental na vida: a conquista, o envolvimento, o respeito, o amor etc.
Estamos inseridos numa cultura totalmente hedonista, mas que não consegue (ou tem medo) de atingir o prazer que tanto almeja. Ao invés de uma relação saudável, indivíduos buscam a pornografia, transformam os parceiros em objetos que podem ser usados e descartados ou ainda ser compartilhados por outros. Procuram quantidade em vez de qualidade, acreditando que o número de parceiros vai ajudar a diminuir o vazio dentro de si.
Não quero criticar as formas de se relacionar, só que me parece que as pessoas estão fugindo cada vez mais do contato com o outro. Estão transando cada vez mais e gozando cada vez menos. Seguindo a ideia do consumo, tudo se torna mercadoria e o produto precisa sempre ser trocado por um “modelo” mais novo e atualizado. O mercado faz com que você deixe de valorizar aquilo que tem, para que passe a desejar aquilo que não precisa. E é isso que passamos a fazer, mercantilizamos a vida e as relações.
A forma como o indivíduo age nas relações sexuais é a forma como ele vai se expressar na sociedade e vice-versa. Isso se manifesta em atitudes vazias, sem envolvimento, sem atenção, sem energia, sem motivação e sem prazer. Tendemos a multiplicar nossa insatisfação até que isso se torne algo contagioso. Queremos satisfazer nossos desejos sem que saibamos se esse desejo é realmente nosso.
Não quero dizer que não exista o gozo, mas esse gozo parece estar destituído de prazer, assim como acontece nas manifestações histéricas e fálico-narcisistas. O verdadeiro prazer hoje parece artigo de luxo e poucas pessoas conseguem encontra-lo no ato sexual livre, com entrega, paixão e tesão, pois o prazer parece estar sendo substituído pela necessidade de poder, manipulação e perversão.
Conheço pessoas que dizem ter uma vida sexual extremamente ativa, mas quando o orgasmo acontece de verdade e o afeto aparece, elas fogem da relação, ficam com medo de viver algo mais intenso. Evitam viver uma relação mais saudável porque têm medo de sofrer ou porque não suportam o prazer, a expansão do organismo.
Isso é uma característica da neurose, ficamos imobilizados em nossa “zona de conforto”, evitamos arriscar algo mais ousado com medo da dor e esquecemos que se não existe ousadia, não existe conquista, prazer e realização.
Hoje, as pessoas se liberaram para transar e experimentar seus corpos, mas trazem o
resquício da repressão por qual passaram, por isso se sentem culpadas e acabam sabotando sua possibilidade de prazer.
O sexo passou por uma supervalorização, uma superexposição e uma banalização, pois parece que ainda não foi compreendida a sua função.
Assim como tudo na sociedade de consumo tende a virar mercadoria, o sexo também está sendo usado como algo descartável e está sendo “consumido” em excesso. Nesse sentido fica difícil perceber a qualidade do “produto”.
Ao escrever isso me veio a ideia de “fast-food”, uma comida rápida que não possui muito sabor, nem nutrientes. Enche a barriga, faz mal à saúde e logo logo estaremos com fome novamente.
Mas qual é a função do sexo afinal?
Não vou abordar aqui a função da procriação, pois o meu interesse é refletir sobre algo que Reich sempre investigou em suas pesquisas e em sua prática clínica, que seria o orgasmo e a sua função.
Então podemos entender que a função do sexo é o orgasmo e a função do orgasmo é regular a bioenergia do organismo através de descargas que devem ocorrer regularmente. Se essa descarga não acontece ou se acontece de maneira precária haverá um acúmulo de carga energética no organismo.
A sobrecarga da energia sexual vai alimentar as neuroses e contribuir para o surgimento de diversos transtornos.
“A mesma excitação que aparece na periferia como prazer, se manifesta como angústia quando estimula o núcleo do organismo. Sexualidade e angústia representam duas direções opostas da excitação biológica”. Ou seja, se a descarga da energia sexual ocorre de maneira adequada, o organismo expande e experimenta o prazer. Se a descarga não ocorre ou é insatisfatória, o organismo se contrai e experimenta a angústia.
Eu costumo explicar para os meus pacientes o que é o orgasmo na visão reichiana, que seria a perda da consciência individual para que houvesse uma fusão com a consciência do outro e ambos pudessem se conectar com a energia do cosmos, que também é um organismo que se expande e se contrai. Essa visão pode parecer romântica ou mística, mas trata-se de uma relação de entrega e troca energética.
A grande maioria das pessoas diz nunca ter experimentado isso e muitas nem acreditam que essa experiência seja possível.
A limitação do contato com o prazer ou a visão equivocada que temos desse prazer hoje, representa a vivência da sexualidade na contemporaneidade. Precisamos desbloquear nosso funcionamento energético para que a vida volte a pulsar de maneira saudável em nosso organismo.
Abraços
Alexandre Salvador
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta Corporal
CRP-05/46554
www.alexandremsalvador.com
Referências:
KONIA, Charles, M.D. Cadernos de orgonoterapia. Considerações energéticas, em The Journal of Orgonomy, Nova York, Orgonomic Publications, 1981.
REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. Editora Brasiliense, 1975
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