Por Mytchel Costa.
O projeto mais recente do renomado compositor Max Richter, nascido na Alemanha e naturalizado na Grã-Bretanha, tem sido chamado de “o novo álbum de 8 horas para dormir”, conta com um repertório de músicas instrumentais e recebe o nome Sleep, feito para ser, nas palavras do artista à revista TIME, “uma canção de ninar pessoal para um mundo frenético. Um manifesto por um ritmo de existência mais lento”.
Richter compôs trilhas sonoras para séries como The Leftovers (HBO) e filmes como Shutter Island (Ilha do Medo, no Brasil, estrelado por Leo DiCaprio). Para Sleep, ele recorreu a consultorias com David Eagleman, neurocientista e escritor, diretor do Laboratório para Percepção e Ação além da Iniciativa em Neurociência e Lei, cujos trabalhos mais notórios figuram nas áreas de plasticidade cerebral, percepção temporal, sinestesia e em uma área inaugural no campo das neurociências chamada Neurolaw (Neurolei, em tradução livre), que estuda de forma interdisciplinar os efeitos de descobertas das neurociências nos campos das normas jurídicas com recursos da psicologia social, filosofia, neurociência cognitiva e criminologia.
O intuito de Richter não foi produzir um recurso que, submetido a procedimentos científicos, superasse testes e exigências metodológicas para provar-se eficiente. Ele encara o projeto artístico como um “grande botão de pausa” na vida cotidiana. As apresentações ao vivo do novo trabalho tiveram início no outono de 2015 (hemisfério norte) em Berlim, começando à meia-noite e terminando às 8 horas da manhã, com o suporte de uma orquestra cercada por camas.
Perigos da Privação do Sono
O sono humano pode ser dividido em suas fases: a fase REM (Movimento Rápido dos Olhos, do inglês Rapid Eye Movement) e sono não-REM, e esta última dividide-se em 4 estágios, cada qual com suas características peculiares. A evolução do sono acontece em ciclos de aproximadamente 90 minutos que incluem episódios de sono REM e não-REM.
Segundo Machado et al. (2007), o início do período de sono é associado ao aumento do nível de circulação de certas citocinas, substâncias relacionadas com a resposta imunológica do organismo, o que contribui para a explicação do por quê algumas inflamações e doenças imunológicas, como artrite e asma, exacerbam-se à noite. Além disso, hormônios implicados na resposta ao estresse relacionam-se profundamente com o ciclo circadiano (ciclo sono-vigília), e os níveis de substâncias como o cortisol e adrenalina normalmente permanecem em taxas mínimas nos momentos que antecedem o sono, através da regulação promovida pelo eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal), enquanto elevam-se aos níveis máximos nos momentos finais do sono, preparando o organismo para atividades ao acordar.
Nos humanos, tais hormônios estão associados não só ao sono. Funções como vigilância, atenção e excitação são também reguladas por eles e segundo Guyre, Holbrook & Munck (1984), “a função fisiológica do aumento dos níveis de glicocorticóides [como o cortisol] induzido pelo estresse é a de proteger não contra a fonte do estresse propriamente, mas contra as reações normais de defesa que são ativadas pelo estresse. Os glicocorticóides realizam essa função desativando essas reações de defesa, evitando que elas sejam exageradas e ameacem elas próprias a homeostase“. Sabe-se portanto que a perturbação do ciclo circadiano e, portanto, dos níveis hormonais que relacionam-se com os ciclos do sono normais, promove a desregulação do eixo HPA, associada com um desequilíbrio do próprio sistema imunológico. O corpo não contará com os níveis hormonais adequados para os diferentes tipos de demandas dirigidas ao sistema de resposta ao estresse, como um perigo externo ou, por exemplo, um ferimento na pele.
“UMA RESPOSTA AO ESTRESSE ADEQUADA, COM APROPRIADOS NÍVEIS DE CORTISOL E ADRENALINA, RESULTA EM VASOCONSTRIÇÃO PARA EVITAR HEMORRAGIA, TRÁFEGO INTENSIFICADO DE LEUCÓCITOS PARA COMBATER ALGUM POSSÍVEL ANTÍGENO E PRODUÇÃO AUMENTADA DE FIBRINOGÊNIO PARA AUXILIAR A FECHAR A FERIDA.” (MACHADO ET AL., 2007)
As consequências disso são preocupantes. Estudos mostram que mulheres que trabalham à noite, por exemplo, estão expostas a riscos maiores de desenvolver câncer de mama do que as que trabalham de dia (Hansen, 2001). A imunização contra hepatite A (Born et al., 2003) e a produção de anticorpos contra a influenza (Sheridan, Spiegel & Van Cauter, 2002) são também afetadas negativamente pela privação parcial do sono. Mesmo uma única noite de privação de sono resulta em alterações no funcionamento cerebral (Basile et al., 2006).
O artigo da Newser publicado em agosto (10) diz que um relatório obtido pelo The Associated Press (AP) revelou resultados de um estudo mantido em sigilo por 4 anos pela FAA (Federal Aviation Administration), a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos, realizado em dezembro de 2011 com controladores de tráfego aéreo, profissionais responsáveis pela separação e segurança de voos que acontecem num território. O estudo demonstrou que cerca de 20% dos controladores dos Estados Unidos cometeram erros sérios no trabalho no ano que antecedeu o estudo, como permitir a proximidade de aviões além dos limites de segurança, tendo a metade deles culpado a fadiga pelo evento; 33% dos profissionais consideram a fadiga um risco “alto” ou “extremo”; mais de 60% relataram ter cochilado dirigindo no caminho de/para o trabalho, aqueles que tipicamente trabalham em turnos noturnos (que compreende o horário de 22h-6h); enquanto a média de sono desses profissionais costuma ficar em 5.8h de sono por noite, tal número cai para 3.25h antes de alguns dos turnos mais esgotantes.
“A FADIGA CRÔNICA PODE SER CONSIDERADA UM RISCO SIGNIFICATIVO PARA OS NÍVEIS DE ALERTA DO CONTROLADOR, E PORTANTO PARA O SISTEMA ATC (SISTEMA DE CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO)”, DIZ O ESTUDO.
Se você tem problemas com o sono que vão além da sua capacidade de gerenciamento como insônia, apneia, terrores noturnos, sonambulismo, procure um médico ou profissional Psi qualificado.
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Mytchel Costa escreve em O Psicologista.
REFERÊNCIAS
Basile, Luis Fernando; Cagy, Maurício; Deslandes, Andréa; Ferreira, Camila; Moraes, Helena; Piedade, Roberto; Pompeu, Fernando & Ribeiro, Pedro. (2006). Electroencephalographic changes after one nigth of sleep deprivation. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 64(2b), 388-393. Retrieved November 12, 2015, from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2006000300007&lng=en&tlng=en.
Born, J.; Fehm, H. L.; Lange, T. & Perras B (2003). Sleep enhances the human antibody response to hepatitis A vaccination.Psychosom Med. 65:831-5.
Guyre, P. M.; Holbrook, N. J. & Munck A (1984). Physiological functions of glucocorticoids in stress and their relation to pharmacological actions. Endocr Rev. 5(1):25-44.
Hansen, J. Increased breast cancer risk among women who work predominantly at night. Epidemiology. 2001;12(1):74-7.
Machado, Ricardo Borges; Palma, Beatriz Duarte; Suchecki, Deborah; Tiba, Paula Ayako & Tufik, Sergio (2007). Repercussões imunológicas dos distúrbios do sono: o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal como fator modulador. Revista Brasileira de Psiquiatria, 29(Suppl. 1), s33-s38. Retrieved November 12, 2015, from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462007000500007&lng=en&tlng=pt.
Sheridan, J. F.; Spiegel, K. & Van Cauter, E (2002). Effect of sleep deprivation on response to immunization.JAMA. 288(12):1471-2
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