Paulo Crespolini

Só aquilo que somos tem o poder de curar-nos

Muitas pessoas caem doentes quando se perdem do significado último de suas existências. Segundo a Psicologia Analítica, as doenças psíquicas, sob a forma de neuroses e psicoses, sobrevêm à medida que não se vislumbra mais um sentido de viver. É possível que alguns adoecimentos sejam, então, fundamentais para o crescimento psicológico. Na verdade, diante de determinada dor da alma, testemunhada na unidade com o corpo, “deveríamos aprender a ser-lhe gratos, caso contrário, teremos um desencontro com ela e perdido a oportunidade de conhecer quem somos. Não é ela que é curada, mas ela que nos cura. A pessoa está doente e a doença é uma tentativa da natureza de curá-la” (JUNG, 2000, p. 160-161).

Sendo assim, a roda agigantada da vida contribuirá para que giremos em torno do mesmo eixo, entre descidas e subidas, quantas vezes forem necessárias, até que as feridas das lembranças dolorosas estejam cicatrizadas. É na cicatriz que reside o último vestígio deixado por uma chaga curada. Afinal, “só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos” (JUNG, 1971, p. 57). O conflito psíquico costuma nos arrastar para o passado, enquanto o sentido do viver tende a nos impulsionar para o futuro. O primeiro nos põe ao fundo da alma, sendo que o segundo nos faz saltar rumo à totalidade plena da existência. Um traz o necessário embate com dores densamente arraigadas. Já o outro faz com que essas dores negligenciadas, por tantos anos, sejam ouvidas, assumidas e transformadas.

Durante o tempo em que o conflito não estiver sanado, é possível que determinada pessoa, submetida a uma experiência psicológica violenta com os pais, acabe escolhendo inconscientemente por cônjuges, amigos e patrões autoritários. As imagens e as ideias de autoritarismo foram os seus maiores referenciais desde a infância. Provavelmente, perante uma ordem a ser cumprida, ela sofrerá de modo cíclico, seja rebelando-se, seja humilhando-se. Da mesma forma, pressupõe-se que outro indivíduo – apreciado em demasia, colocado acima dos demais e pouco tolhido nas vontades – busque nos relacionamentos afetivos vindouros a perpetuação daquela vivência passada, na qual os pais se acomodavam aos seus desejos infantis. Os conflitos se repetem vida afora até serem conscientizados.

Convém pontuar que não se trata de fazer apologia ao sofrimento psíquico, mas de ressaltar a insistência do inconsciente em sanar aquele conflito. É preciso dialogar com o conjunto de imagens, sentimentos e pensamentos decorrentes desta vivência complexa. É dificílimo, senão insuportável, fluir para trás, retornando aos eventos dolorosos sozinhos. Há de ter humildade em se permitir estar acompanhado, pela presença de um psicólogo, para compreender que no regressar está tanto a doença em si quanto o potencial de sua cura (YOUNG-EISENDRATH; DAWSON, 2002, p. 82).

Enfim, é importante ter em conta que a dor psíquica, emanada dos conflitos, é completa. Nem inteiramente boa nem totalmente ruim. Nas suas descidas e subidas, tal qual uma roda gigante, a vida vai assumindo os traços individuais que nos fazem diferentes de todos os demais. Tornamo-nos únicos em meio a tantas outras individualidades, não obstante a dor inerente ao processo da conquista.

Paulo Crespolini

Psicólogo - CRP 06/132391 Possui graduação, com licenciatura plena, em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2004), atuando nos seguintes temas: história da filosofia moderna, movimento iluminista, crise eclesiológica e razão científica. Com formação em Teologia (2009), pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, tem se dedicado às pesquisas sobre a concepção materialista-dialética da história e, ao mesmo tempo, sobre Ética e Filosofia Política. Ainda na Teologia obteve resultados significativos no estudo da Filosofia da Religião em Andrés Torres Queiruga e na instituição metafísica da atividade religiosa. Na Psicologia (2015) a pesquisa esteve centrada em duas áreas concomitantes, ambas fundamentadas na analítica de Carl Gustav Jung, a saber: a psicopatologia do religioso constelada em uma polaridade devoradora do divino: fenômeno associado e possível suscitador de transtornos mentais.

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