Por Luiza Coppieters
É muito comum a circulação da ideia, especialmente em redes sociais, de que devemos nos amar antes de querermos ter um relacionamento. Afirma-se, peremptoriamente, que uma pessoa não está apta a amar alguém se ela não se ama. Todavia, esta ideia está imersa em contradições, ainda mais nos tempos atuais.
Em primeiro lugar, o amor é uma paixão. Isto significa que amar é agir sendo causa de uma afecção, ou seja, algo externo nos afeta. Trata-se, pois, de uma relação em que uma pessoa (irei tratar da relação entre pessoas, não entre pessoas e animais ou coisas) é passiva, recebe uma ação, diante da existência de outra, que a afeta, portanto ativa. A pessoa apaixonada age não tendo por causa a si mesma, mas sim a pessoa que a afeta. Como todos aquelas que já amaram sabem, quando se ama faz-se coisas que não são muito comuns, que não se faria caso se usasse a razão. Agir segundo a razão é ser ativo, isto é, ser causa das ações que pratica. Portanto, amar implica uma relação entre duas pessoas em que a pessoa amada é causa das ações praticadas pela amante, que é passiva ao se tornar alegre pela amada.
Além disso, em tempos neoliberais, portanto de competição, de anulação da pessoa humana que é tornada um mero investimento, uma empresa empreendedora que deve necessariamente obter sucesso, de relações fugazes, sejam no trabalho, na família, no amor ou na própria identidade, de poder midiático e corporativo que estabelece padrões nada humanos, amar, por si só, já é um ato de resistência.
As condições objetivas nos arremessam para algo mais perverso que o individualismo. Nos comprime para uma existência insegura, vazia, sem lastros ou vínculos. Destrói nossa condição de seres simbólicos para apoiar nossa existência nas coisas: sou o que tenho; vejo não seres produzidos e dotados de histórias, sentimentos, escolhas, mas apenas coisas com as quais me identifico ou me diferencio (no mais das vezes com repúdio), coisas com significados lineares e pobres, simplórios e rasos.
Trata-se, pois, de uma época em que não sabemos quem somos, dissolvem-se as identidades, somos mero fluxo de desejos orientados às coisas consumíveis e descartáveis. As relações de trabalho, já extremamente precárias e com risco de se tornarem piores, tomam não só o nosso tempo, mas nos exploram e não nos dão mais sentido algum. É um mundo em que o medo – que também é uma paixão – opera como causa principal das nossas ações, um mundo que não entrega o que promete.
A felicidade, confundida com excitação, é reduzida ao prazer corporal. O corpo regozija-se com duas coisas: comida e sexo. E os prazeres produzidos, portanto, são efêmeros e fugazes, nos obrigando, a todo instante, a repô-los. Mas não basta o prazer corporal. É necessário que o outro veja e corrobore esse prazer. Não à toa se tiram tantas fotos desses momentos e, publicadas em redes sociais, contabiliza-se o número de curtidas em relação ao tempo. Não à toa as doenças contemporâneas são a ansiedade e a depressão. Passado e futuro são valorados pela lógica do sucesso, que é pari passu do fracasso.
Característica fundante da nossa existência, a relação com o “outro” é necessária para a afirmação do “eu”. No momento em que afirmo “Eu”, marco, delimito a existência de um “Outro”. O “Outro” precisa existir para que eu possa existir como “Eu”. Ser humano é constituir-se a partir da relação com o outro. Para o bem ou para o mal.
Dito tudo isso, é perverso exigir que uma pessoa esteja bem numa sociedade perversa e doente. Uma sociedade que não ama as pessoas e exige que, para existirem, aniquilem umas às outras. Uma sociedade que separa e fragmenta as pessoas, revelando-nos, a todo instante, nossa impotência.
Assim, exigir que uma pessoa se ame, além de um contrassenso conceitual, é exigir que nos tornemos super-heroínas de nós mesmas, que tenhamos uma força sobre-humana para superar as dores e mazelas mundanas e aí sim, e só aí, possamos amar a outra pessoa.
Parece-me, de forma tão evidente, que a maneira de sair dessa terrível condição é que uma pessoa ame outra para que esta possa aprender a se dar algum valor. Num mundo em que nada nos valoriza, que a todo instante somos apequenadas, penso que só o amor pode ajudar quem não tem autoestima. Portanto, não exija que uma pessoa ame a si mesma para então poder amar. Ame-a para que ela possa amar e assim sair do mal-estar ao qual ela parece estar condenada. Pode ter certeza, ela irá amar de volta, profundamente.
Imagem de capa: Shutterstock/Zoteva
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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