SAÚDE MENTAL

Sobre a dependência química: Um olhar psicanalítico

Parece cocaína
Mas é só tristeza
Talvez tua cidade
Muitos temores nascem
Do cansaço e da solidão
Descompasso, desperdício
Herdeiros são agora
Da virtude que perdemos…

Há tempos tive um sonho
Não me lembro, não me lembro…

Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito.

(Russo, Bonfá e Villa-Lobos. Há Tempos, 1989)

A história do ser humano sempre remeteu a sua tendência em utilizar de substãncias psicoativas para diversos fins, entre eles, abrandamento das censuras da sociedade e maior contato com o verdadeiro eu, além de fins medicamentosos, experiências espirituais, entre outros. Por meio do uso de drogas diversas o ser pode experenciar certa desinibição. No caso do álcool, alguém embriagado é comumente associado a alguém com tendência a poder dizer verdades e posteriormente, desqualificá-las pela embriaguez.

Em cada época da história da humanidade, cada substancia foi mais ou menos aceita socialmente, contudo o que faz de cada substância uma droga? No caso do álcool ele é legalizado no Brasil, enquanto a cocaína não. Talvez se possa pensar no comportamento do sujeito diante da substancia, assim não seria uma droga a comida para um sujeito com transtornos alimentares?

Não houve momento histórico no qual as drogas não estivessem presentes, pois desde os primórdios o homem busca formas de amenizar o seu mal-estar e as drogas podem ser um meio de obter essa satisfação. Tudo isso pode ocorrer com um olhar de diversos graus de patologia, já que cada objeto droga tem suas características particulares e são mais ou menos nocivos para o sujeito e sociedade em geral.

Somente nas sociedades mais atuais, como no século XX, que passou a se conhecer melhor sobre algumas drogas e seus malefícios, não só químicos, como psicológicos e foram pensadas políticas sociais para combater a este problema social. Certas drogadições ainda são vistas com caráter preconceituoso e muito baseados num senso comum de degradação, contudo, isso evidencia a falta de conhecimento sobre a real patologia das adições.

Leis foram criadas na tentativa de barrar o abuso que passa a ter um caráter desordenador da sociedade, porém será que isso de fato ajudou aos que vivem uma relação tão conflituosa com as drogas? Até que ponto as drogas licitas não são também drogas?
Para que se possa ter uma certeza se a relação do sujeito com o objeto-droga é de fato patológica há que se fazer um diagnóstico levando em conta aspectos como compulsão ao uso, presença de abstinência, tolerância, o abandono de outros interesses em prol das drogas e a persistência no uso, apesar das consequências nocivas.

A drogadição deve ser vista como uma doença psicossocial, assim o discurso deve ser pensado muito além do saber popular. Na psicanálise, se pensa nesse ser como alguém que vive uma relação conflituosa com um objeto droga certamente tem problemáticas psíquicas muito mais primitivas do que se mostra na atualidade. Deve se pensar então naquele sujeito de forma subjetiva, como alguém que é sim um usuário, mas que também tem suas relações familiares, afetivas, trabalho, estudos, entre outros.

Freud associou a drogadição com a satisfação de necessidades infantis primárias ligadas a fase oral, assim nesta fase não puderam experenciar uma satisfação adequada o que lhes gerou uma dificuldade em lidar com a espera pela satisfação dos desejos e necessidades.
A droga surge então como uma satisfação bastante narcísica, já que o prazer é ligado ao sujeito e objeto-droga, sem a presença de um outro ser. O vicio então é uma tentativa de anestesiar os sofrimentos e frustrações, além de não ter que lidar com muitas angústias e sofrimentos que lhe geram mal-estar.

Imagem de capa: Shutterstock/ibreakstock

Mariana Pavani

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