Por Luzinete R. C. Carvalho (Psicanalista)

“Saímos para passear, na volta encontramos duas vizinhas na calçada, Francisco e eu paramos para dar “oi”.

Elas puxam conversa, blá blá blá para lá, blá blá blá para cá, e um pedido de abraço para cá, um pedido de beijo para lá, ambos negados, e uma delas solta o primeiro rótulo:

– Ele é tímido né?

– Quando entrar na escola melhora! – Completa a outra como se a postura do Francisco fosse algo ruim.

Respondo:

– A sua netinha tem a idade dele e vai para a escolinha desde bebê não é? E também não gosta de se aproximar muito de estranhos! De modo geral crianças não gostam de intimidade com pessoas estranhas, e isso na verdade é muito bom.

– Ahhh, mas nós não somos estranhas!

– Dona Fulana, a senhora já entrou na minha casa?

– Não.

– O Francisco e eu já entramos na sua casa?

– Não.

– Então a senhora é um estranha para ele! Na verdade, para mim também, mas eu já sou adulta, entendo melhor essas carências e imposições sociais, e se a senhora quiser um abraço meu eu dou! Se não acha que somos íntimas o bastante para me pedir um abraço, então também não é íntima o bastante para pedir um abraço para ele.”

Este tipo de situação é bastante comum, acontece sempre, certa vez, em uma lanchonete, Renato (marido) se ofereceu para beijar a atendente que insistia em pedir beijo para o Francisco, dissemos, ainda bem humorados, que se ela estava assim tão carente de um beijo, que o Renato poderia beijá-la…

Impressionante como as pessoas abusam das crianças!

ABUSO SIM!

Quando forçamos uma criança a beijar, abraçar, ser tocada por outro, CONTRA A VONTADE DELA, isso é abuso, desrespeito, agressão.

Vale, inclusive, se for por outra criança!

Vale se for por alguém da família, até mesmo se for alguém que tenha “intimidade” com a família!

Vale se a situação for a de forçar um bebê a ir no colo de outras pessoas.

A questão é que se foi forçado, foi negativo.

Na verdade, até quando a criança age assim de forma espontânea precisamos estar atentos.

Devemos tratar as crianças com respeito, com empatia, devemos ensinar que o corpo delas deve ser respeitado, que há limites que devem ser ditados PELA CRIANÇA!

Quando forçamos uma criança a beijar, abraçar ou permitir que a beijem ou abracem contra sua vontade, sob pena de ser considerada mal criada, “tímida” ou mal educada, estamos agredindo um pequeno ser que precisa ser protegido.

Quando expomos uma criança a isto, estamos passando a perigosa mensagem que criança boazinha é aquela que se permite ser tocada, que criança “boazinha” é aquela que expressa isso através do contato corporal, que a criança “boazinha”, e portanto, a aceita pelos outros, é aquela que não coloca limite sobre seu próprio corpo.

E, infelizmente, não vivemos dias em que podemos passar este tipo de mensagem para nossas crianças!

Elas não tem discernimento para saber quando o toque é aceitável e quando é criminoso.

Em um momento de nossa ausência, ela não saberá se deve impedir a investida, já que foi condicionada a permitir que lhe toquem, pois é assim que agem as crianças “boazinhas”.

Elas precisam aprender a se proteger de todo tipo de abuso, e mais do que gastarmos palavras vazias explicando para crianças pequenas sobre o mundo terrível em que vivemos atualmente, devemos apenas deixar que o instinto natural que elas possuem as proteja!

Devemos explicar conforme a idade, conforme a necessidade, e em uma linguagem adequada como as crianças podem se proteger.

Mas a proteção mais efetiva que podemos oferecer para nossas crianças é através do RESPEITO que começa dentro de casa, começa através do pai, da mãe, dos tios, dos familiares próximos.

E respeitá-las, inclusive, deste tipo de agressão aparentemente inocente e inócua, mas que não é.

E por favor, poupe-nos da compreensão deturpada, pois não estou dizendo que não devemos ensinar as regras sociais para as crianças, não estou dizendo que não devemos mostrar como podem ser cordiais e educadas.

Ensinar bons modos para as crianças é ensinar a cumprimentar, a se despedir, e isso NÃO precisa ser feito obrigando a criança a ser tocada, abraçada, beijada.

Não se trata de não ensinar bons modos ou gentileza.

Se pretendemos realmente proteger nossas crianças, nós adultos precisamos, antes de tudo, aprender a diferenciar gentileza de imposição.

Ensinar gentileza e cordialidade é DIFERENTE de forçar a criança a permitir que lhe beijem, abracem ou toquem contra a sua vontade.

Dê você os abraços e beijos que a sociedade carente e abusiva tanto necessita!

Reflita sobre quais mensagens a SUA postura está transmitindo para seus filhos!

Reflita se você está ensinando sobre respeito próprio.

Se você não os respeita, se você não os protege, como eles poderão se defender sozinhos?

Pois no fim, precisamos entender que abuso é sempre abuso, não há diferenças…

Reflita.

***

Artigo publicado originalmente em Visão Clara. Acompanhe a autora também no Facebook.

REDAÇÃO PSICOLOGIAS DO BRASIL

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