Por: Laila Wahab
Advogada e psicóloga especialista em técnicas cognitivas
Muitos são os que nos procuram queixando-se de vazios…-” Sinto um vazio imenso”, -“algo que não se mensura”, -“ quando penso que estou bem, aquele sentimento de vazio volta a incomodar”. Estas queixas chegam com uma certa frequência aos nossos consultórios. E você, já sentiu algo assim? Um sentimento inexplicável que quebranta a alma. Se você está lendo esta resenha, provavelmente já tenha experienciado algo similar. Há quem mude sua trajetória de vida quando descobre as razões desta dor, mas há quem adoeça silenciosamente, dia após dia, incapaz de encarar esta ferida, que sangra sem ninguém ver. Triste mesmo é quem sente e quer ignorar, esquecer, refugiando-se em álcool e outras drogas.
Assim convido, você leitor, à uma reflexão sobre o assunto. Refletir nem sempre agrada, muitos fogem ao menor sinal, mas é necessariamente permitir-se um mergulho em questionamentos que poucos fazem.
O vazio ou “ uma falta”, é uma sensação de incompletude, que gera sofrimentos, mas também pode servir como uma mola propulsora em direção a realizações que podem trazer satisfação. Ao invés de ser uma dor que aleija pode servir como um poderoso aliado. Vejamos como isso é possível.
Optar pela vida é construir-se constantemente, caso contrário, o sujeito buscará saciar esta “fome”, de maneira adoecida, ou acumulando objetos, bens que não precisa, ou alimentando-se além da fome que nunca acaba, sobrando peso, literalmente. Construir-se vai além do significado, propriamente dito, da palavra, mas a sua representação (simbólica ou não) impressa em todas as relações por ele estabelecidas, com o mundo, nas relações interpessoais e tudo o que nele permeia.
O contrário, seria mergulhar neste vazio, por exemplo, pessoas que de forma consciente ou inconsciente, colocam-se em diversas situações que as deixam vulneráveis e a mercê de inúmeros riscos, danos a sua vida, optando assim por uma destruição, desconstrução de si mesmas, gerando sofrimento não somente em si mas em todos que a cercam, em especial de quem as amam. É a negação da vida, geração de sofrimentos diversos. Ao que os psicanalistas diriam (pulsão de morte).
Canalizar este vazio, rumo a construção de si mesmo, em que a opção é pela vida, não exposição a riscos, algo capaz de sustentar suas relações, ainda que haja tantas adversidades, como por exemplo, a prática de atividade física com foco na manutenção da saúde do corpo e da mente, leituras que tragam significado para sua vida e seu cotidiano. Envolver-se em atividades que auxiliem alguém, traz muita gratificação. Em especial dedicar tempo a ouvir, acompanhar, envolver-se com quem lhe é caro.
Dessa forma, esta incompletude será a diferença entre buscar a viva, abastecendo-se de valores, em construções diversas (vida) ou na negação dela, pelas desconstruções em nível patológico; nada satisfaz ou sacia a fome (vazio), independente da intensidade ou natureza da falta, mas girara em torno do uso que este sujeito pode fazer a partir dela.
A grande saída é olhar esta “falta” como uma oportunidade para a construção de novos caminhos que o levem a novos horizontes, impulsionado pela pulsão de vida, em termos psicanalíticos. A exemplo os resilientes, que ainda enfrentem tempestades, ao invés de se debilitarem, criam cascos fortes para sobreviverem em novos vendavais. Ainda que hajam adversidades, perdas, rompimentos, passageiros ou não, são capazes de se reinventarem.
Então, e você qual tem sido sua escolha? De fato, você escolhe ou tem sido movido por autos sabotamentos? Um bom ponto de partida, diante de tamanha complexidade é olhar para si.
Fato é que, não há possibilidade de uma divisão entre carentes e não são carentes, a realidade é que todos nós somos em algum grau, carentes.
A carência afetiva e a sensação de vazio e de incompletude, andam de mãos dadas. Estão inerentes à condição humana desde o nascimento, dado estado de desamparo e abandono, que se encontra o recém-nascido, só o colo materno dá conta de atenuar. Com o tempo, aprendemos a gerir essa carência, ou não. Só o conhecimento progressivo das próprias capacidades e habilidades é que possibilitam a auto realização.
Há carências em que os vazios são preenchidos nas relações de dependências, as quais o outro, quer seja o namorado, a melhor amiga ou o filho é tido como tendo a responsabilidade de completar o próprio. O problema é quando o cônjuge morre, o filho se casa, ou a melhor amiga trai. A pessoa mais carente tende a ser mais controladora, mais demandante, precisa de atenção e por medo de perder seu amor, suas amizades, acaba sufocando e aí muitas vezes, perdendo. Justamente por adotar uma posição mais controladora e vigilante.
Somos todos carentes em graus diferentes, a intensidade desta carência é que determinará o adoecimento ou não deste traço, sendo então a intensidade o grande divisor de águas. Se por um lado existem pessoas que alardeiam suas carências, há quem as amordace, fugindo, substituindo, se iludindo para não as sentir. Ainda que, a sensação de incompletude seja comum a todas as pessoas é também quem nos impulsiona a buscar o que nos falta. É justamente a falta de alguma coisa que nos impele a novos espaços para que possamos desenvolver as nossas habilidades e recursos internos, experiências ou relações humanas.
Com estes recursos internos ao longo do crescimento surgem a nossa autonomia e a capacidade de sermos a nossa melhor companhia, nossa melhor versão. Abraham Maslow por sua famosa Pirâmide de Maslow descreve hierarquicamente nossas necessidades. Defende a ideia de que as necessidades passam por um escalonamento, em nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Cada ser humano, individualmente deve então, escalar a sua própria Pirâmide para alcançar a sua própria autorrealização.
Segundo Maslow, as hierarquias seriam: Fisiologia, Segurança, Amor/Relacionamento, Estima, Realização Pessoal. Estaríamos nós vivendo uma crise no segundo item hierárquico, capaz de nos impedir de continuar rumo a realização pessoal?
Seria a falta de segurança nos dias atuais, violências agravadas pelo desemprego, piorados pela pandemia, neste momento e ao nosso redor. Esses “traumas” têm se tornado pessoais mesmo quando não relacionados diretamente conosco. O grande causador, desta sensação de incompletude? Não estaria esta incompletude infundida em cada um de nós quando pensamos que não somos bons o bastante, inteligentes, bonitos o bastante? E se estes pensamentos automáticos lhe assombrarem a noite antes de dormir, provavelmente no amanhecer lembrarás das suas “faltas”.
Tenha em mente que esta visão adoecida serve para nos manter presos e nos impedir de viver o momento, o aqui e agora. O mindfulness nos ensina a cultivar esta atenção plena ao presente. Não se trata de ignorar as dificuldades, mas viver o agora, sem a ansiedade do por vir e sem a nostalgia do que já passou. Deixar o passado no passado e receber a luz que cada manhã proporciona.
Photo by Руслан Гамзалиев on Unsplash
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