Sofrimento todos nós temos, mas fazer terapia ainda é um grande tabu
Cool flat concept design on psychotherapist with lying patient characters

Por Amanda Mont’Alvão Veloso

Uma vida que “deveria ser fácil de ser vivida”, mas que, por algum motivo, não é.

Um caminho para a felicidade que nunca é encontrado: “Devo estar fazendo algo errado, não é possível”.

Uma sensação de que nada está bom. Uma sensação desconfortável, difícil de explicar.

A angústia, o sofrimento e as perdas fazem parte da vida, apesar de o pensamento contemporâneo prometer combos de felicidade ininterrupta e remédios para os momentos mais amargos da existência. Por mais que se tente ignorar, sofrer, se angustiar e sentir falta são aspectos tão humanos e comuns quanto ficar alegre ou comemorar uma vitória. Estão muito mais relacionados a saúde do que a doença.

E mesmo assim, recorrer à ajuda de psicólogos e psicanalistas para se viver melhor e lidar com as dificuldades que a vida, tenha certeza, vai nos trazer, permanece um grande tabu em nossa sociedade.

Uma pesquisa inédita do instituto Market Analysis, divulgada com exclusividade ao HuffPost Brasil, revelou que apenas 2% dos adultos dos principais centros urbanos do Brasil fazem psicoterapia. É o mesmo resultado verificado em 2002, quando a primeira medição foi realizada.

O levantamento mostrou que 87% não faz ou nunca recorreu a uma terapia, e 11% já fez em algum momento da vida.

Porém, 30% das pessoas consultadas admitem que têm muito interesse em fazer terapia, o que mostra um distanciamento entre a vontade e a concretização.

Para Bárbara de Souza Conte, conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP), é possível pensar em pelo menos três motivos: Um deles é a diminuição do poder aquisitivo da população, o que restringe a procura, somada ao acesso cada vez menor a esses serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Além disso, atualmente vem ocorrendo uma confusão quanto ao atendimento clínico psíquico e a espiritualidade; desta forma, há uma certa oferta de ditos ‘tratamentos psíquicos’ em instituições religiosas que têm recebido a adesão de pessoas que frequentam estas igrejas.”
Dentre as pessoas interessadas em uma psicoterapia, existe também a dúvida quanto a quais profissionais estariam habilitados para fornecer este serviço, completa Conte, que é mestre em Psicologia pela PUC/RS e doutora em Fundamentos e Desenvolvimentos em Psicanálise pela Universidade Autônoma de Madri.

Questões financeiras – especialmente os mitos – de fato têm grande influência sobre fazer ou não terapia, apurou a pesquisa. De um lado, fazer terapia é visto por 46% das pessoas consultada’s como um luxo reservado para a elite, onde só quem é abastado pode pagar as sessões. Esta leitura é reforçada pela percepção desfavorável de que a psicoterapia não vale o que custa – é o que pensam quase 4 em cada 10 brasileiros.

A conselheira do CFP destaca que o custo de um tratamento não é somente financeiro:

“Tratar-se também implica em entrar em contato com os aspectos destrutivos e sofridos de si mesmo. Este é um custo que muitas vezes o sujeito não quer reconhecer e se implicar. O SUS oferece uma escuta possível dentro das possibilidades, como em CAPs, com o atendimento à álcool e drogas, psicoses, família. O SUS tem muito a ser aperfeiçoado, mas é uma forma de oferecer atendimento clínico a uma faixa da população que não tem acesso ao atendimento privado.”
Há ainda um outro mito, que revela que os cuidados com a saúde mental ainda são um grande tabu em nossa sociedade. Para 34% dos consultados, apenas quem passa por problemas muito graves precisa fazer terapia. Pelo menos houve uma evolução quanto a isso: Em 2002, ano da primeira medição, esta era a percepção de 42% das pessoas.

“Penso que ao longo do tempo foi se desenvolvendo um modelo que é psiquiátrico, referente a transtornos e medicalização. E este modelo é muito diferente do que se entende por problemas psíquicos. O modelo de saúde mental não é a ausência de sintomas, mas sim uma possibilidade de reorganização psíquica que leva o sujeito a lidar e/ou modificar seu sofrimento. O tabu existe porque, ao invés do olhar de quem atende dirigir-se ao sujeito e seu sofrimento, ele se volta à tipificação da doença. Transforma o sujeito em doença e aí medicaliza. Aí cria-se a barreira para o sujeito querer se tratar.”
psychoanalyst

Por outro lado, a percepção quanto aos benefícios de uma terapia vem aumentando. Três quartos dos consultados (76%) concordam que quem faz terapia acaba se relacionando melhor com os outros, segundo a pesquisa.

Melhorou também a relação com a autonomia, mas uma em cada três pessoas (31%) ainda receia que o paciente fique dependente do terapeuta. Antes, essa desconfiança vinha de 43% dos consultados.

Conte afirma que só o trabalho com ética é capaz de mudar essa visão.

“Muitas vezes a sugestão toma o lugar da fala e da escuta. Dependência se cria quando, em vez de o sujeito se pensar, ele passa a demandar que o terapeuta diga o que fazer. Se isso ocorre, o terapeuta está fora de sua função e toma para si o lugar de sugerir. Esta é uma forma de exercício de poder, de criar dependência.”
Uma vez driblado o tabu, os pacientes têm muito com o que se beneficiar, e os efeitos de uma terapia dependem do conflito, do desejo da mudança, das condições individuais e familiares para a mudança psíquica e do tratamento a ser utilizado.

“Todo sujeito que sofre e deseja uma mudança psíquica irá se beneficiar quando escutado, pois encontrará, em quem o ouve de forma abstinente e ética, uma via para buscar alternativas e possibilidades de novas formas de lidar com o sofrimento.”
O estudo foi realizado com homens e mulheres de 18 a 69 anos em 906 domicílios das cinco regiões do País. Foram abrangidas as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Curitiba, Porto Alegre, Manaus, Belém, Brasília e Goiânia.

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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