Não sei se acontece com todas as crianças, mas comigo costumava acontecer. Eu adorava ficar sozinha em casa, me sentindo “responsável” por mim mesma, fazendo boa parte do que eu queria fazer sem dar satisfação a ninguém.
Era tempo de comer o maior pedaço de goiabada da geladeira e dançar dublando Cindy Lauper no volume mais alto em frente ao espelho. Também aproveitava para atualizar minhas agendas com recortes da minha coleção de revistas Capricho enquanto fazia hidratação no cabelo.
Era o momento de curtir minha companhia, cuidar mais de mim, deixar vir à tona uma versão mais livre e descompromissada da pessoinha que eu era.
Claro que eram momentos rarefeitos, por isso pareciam tão fantásticos. Não refletiam uma situação constante, por isso se mostravam tão agradáveis.
Mas então a gente cresce, aprende o gosto de ter alguém, e vai se esquecendo o quanto era bom se curtir sem ter um par. Almejamos tanto dedos que se entrelaçam aos nossos que já não conseguimos mais caminhar sozinhos.
Estar solteiro (a) não precisa ser um status menos atraente se pensarmos que é uma questão de escolha, e não de falta de pretendentes.
A solteirice também é feita de alegrias, descobertas deliciosas que só experimenta quem não tem medo de sua própria companhia.
É muito bom ter a casa cheia, conversas ao cair da noite, companhia para brindar uma taça de vinho tinto ou dividir um café bem quente. É muito comum associarmos estes hábitos a quem tem um par _ essa nossa mania de classificar as pessoas pela fachada…_ mas pode ser justamente o contrário. Tem muita gente comprometida que vive um relacionamento composto de duas solidões. Estar acompanhado não é garantia de estar completo ou satisfeito.
A solteirice não pode ser vista como um estado transitório, um período entre um relacionamento e outro, como se o mais importante fosse arranjar alguém. É comum pensarmos assim, daí a associação com a solidão.
Solteirice não é solidão. Solteirice é aprendizado, mesmo que isso signifique gabaritar a prova de auto conhecimento. É tempo de assistir a todos os filmes baseados em fatos reais do Netflix e imaginar a própria vida de um jeito diferente; é ter tempo de retomar antigas leituras ou seguir sites interessantes na internet; é hora de descobrir se aquela música linda está disponível para download, se aquela receita picante é mesmo um sucesso, e se ainda dá tempo de começar um jardim.
É preciso valorizar os momentos que passamos em nossa própria companhia. A vida também é feita de silêncios e recolhimento, passos na ponta dos pés enquanto todos dormem, cheiro de café coado de manhã se espalhando pela casa, leite condensado provado direto da lata, jornal aberto sem critério ou organização, viagens sem destino certo, abraço em torno de si mesmo, sorrisos sentinelas na frente do espelho, canções bonitas ao cair da noite, filmes emocionantes numa tarde fria.
Já não sou mais a mesma menina que desfrutava sua liberdade quando os pais saíam de casa. Tive alguns namoros, fiquei solteira inúmeras vezes e me casei há alguns anos. Porém, aprendi a me resgatar de tempos em tempos. A descobrir meu cantinho particular neste mundo tão cheio de estímulos e informações. Preciso de um tempo comigo mesma. A menina que dançava na frente do espelho ainda me chama para momentos só nossos.
É importante encontrar esses momentos de “sozinhez”. São esses momentos que nos tornam mais exigentes e determinam nossa abertura para o mundo. Com o tempo descobrimos que só abrimos mão do encontro conosco mesmos se realmente valer a pena. Só deixamos alguém entrar se for para acrescentar. Como eu disse, estar solteiro(a) pode ser uma questão de escolha, e não de falta de pretendentes.
Enfim descobrimos que a vida pode ser contada de uma forma prazerosa sem seguir o script padrão, aquele que todos esperam que a gente cumpra. Acreditando que nosso mundo interior é muito mais amplo do que imaginamos, e jamais caberá em rótulos como “estado civil feliz ou infeliz”.
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