Por Gustl Rosenkranz
Ontem recebi uma notícia que me chocou: uma boa amiga me ligou para dizer que o sogro dela, que eu também conhecia, havia falecido. Ele caiu de uma escada, dentro de casa, bateu a cabeça no chão e morreu de imediato.
Pois é, por mais que saibamos que todos nós vamos um dia abandonar este mundo, por mais que a morte faça parte da vida e por mais que tenhamos maturidade suficiente para aceitá-la, sempre nos chocamos quando morre alguém que conhecemos, principalmente quando a morte vem de uma forma inesperada.
Fico imaginando a vida como um trem longuíssimo, com vários vagões. Neste trem só se embarca pela frente e tem-se então que caminhar por todos os vagões (as etapas da vida) até chegar ao último, onde então desembarcamos e deixamos de viver (neste mundo). Até aí, tudo bem: todos já embarcamos sabendo disso – ou ficamos sabendo bem cedo – e sabemos também que é inevitável. Aceitamos assim nosso destino e caminhamos de vagão para vagão, aprendendo, crescendo, vivendo. E, neste trem, viajam também diversas pessoas, algumas que embarcaram já antes de nós, outras que embarcaram conosco e já outras que vão embarcando depois nas diversas estações da vida. É também nessas estações que desembarcam aqueles que já se encontram no último vagão e que já passaram por todo o trem. Alguns vão felizes, pois sabem que tiraram o melhor proveito da viagem, outros vão amargos e solitários, pois só entenderam tarde demais que tinham muito o que aprender com aqueles outros passageiros que rejeitou e hostilizou o tempo todo. Já outros relutam, não querem desembarcar de forma alguma, tentando voltar para o vagão anterior (ou mesmo vários vagões atrás!), mas percebem que isso não é possível, pois a porta entre os vagões só permitem a passagem em um único sentido: do início para o fim, do nascimento para a morte.
Os passageiros que se encontram mais à frente, que ainda têm vários vagões para percorrer, sabem que há pessoas queridas no fim do trem e ficam tristes, pois têm consciência de que eles logo descerão, mas aceitam, principalmente por saberem que não há outro jeito mesmo. O destino da vida é a morte, a morte faz parte da vida. Quando alguém então vai, isso dói e se fica triste, mas a dor é mais amena quando já contávamos com isso, porque houve então um tempo de familiarização, houve um tempo de despedida. Mas às vezes acontece de alguém, que ainda teria uma longa viagem pela frente, que estava ali, no meio do trem, no meio da vida, ser de repente levado para o último vagão ou mesmo para fora do trem, assim, sem que ninguém esperasse, de um momento para o outro. Alguém se vai e não conseguimos entender. Ficamos então chocados, primeiro pela perda, mas também por percebermos nossa fragilidade e por a vida nos lembrar que somos todos passageiros, passantes, viajantes no trem da vida. É como se passasse o chefe do trem pedindo para ver o bilhete e o destino de cada passageiro, lembrando a todos que estamos a caminho e que cada um de nós vai ter que descer um dia.
Às vezes, acontece alguma coisa (uma catástrofe, uma epidemia, uma guerra…) e muitos abandonam o trem de uma vez só. E tem aqueles que, por tanto medo do que os espera nos vagões seguintes, terminam desistindo e descendo do trem muito antes de chegar sua estação.
Tenho a impressão de que a maior parte das pessoas evita pensar nisso e mais ainda falar disso. Entendo isso muito bem. Não acho que seria saudável se ocupar com a morte o tempo todo. Isso não seria bom. É mais fecundo pensar na vida. A morte é inevitável, todos vamos morrer e creio que não faz sentido algum negar isso e fazer de conta que a morte não existe, pois isso seria fugir de algo que precisamos aceitar para que possamos viver plenamente. Mas não precisamos ficar falando da morte o tempo todo. Só não devemos ignorá-la. É importante aceitá-la e ter consciência de que tudo este mundo é passageiro, tudo passa, tudo acaba. Tudo mesmo, também eu, também você. Quem aceita isso desenvolve uma maior capacidade de relativizar muitos problemas da vida e de perceber que é substancial dar a prioridade certa às coisas, que nem tudo é realmente tão importante assim. Essa pessoa entende que seu tempo no trem da vida é curto (talvez muito mais curto do que imagina) e que ainda tem muitos vagões para viver.
Gosto da palavra ‘passageiro’ em alemão: ‘Fahrgast‘. ‘Gast‘ é visitante, hóspede. Ao entrar em um trem, ônibus ou táxi na Alemanha, você é um Fahrgast, que eu traduzo aqui como visitante viajante. Nós estamos visitando este mundo e viajando por ele. Ele não é nosso. Mesmo assim, entre, chegue à frente, sinta-se em casa, mas com o respeito de quem só está passando, aproveitando a viagem intensamente, mas sem se prender a nada que não seja realmente essencial, pois uma hora você vai ter que descer. E você terá que deixar para trás tudo que guardou e não cabe em sua bagagem. Por isso, é mais sábio guardar somente aquilo que realmente tem um significado verdadeiro e mais profundo. Viva sua vida plenamente, busque relações sinceras, não deixe que o medo (nem o seu, nem o de ninguém!) lhe prenda, tenha coragem, viva cada momento intensamente, de uma forma madura, sendo bom para você mesmo, tratando você com carinho, não por vaidade ou egoísmo, mas por saber que você mesmo é a melhor companhia que você tem, é a única que com certeza plena ficará ao seu lado até seu desembarque do último vagão do trem da vida.
Momentos como esses, de choque, de saber que alguém morreu, são sempre tristes. Mas é também um desses momentos que nos convida a parar e refletir, talvez com o sentimento saudável de que precisamos nos concentrar mais no que é essencial e de que vivemos correndo atrás de muita coisa que não faz sentido, que desperdiçamos nosso precioso tempo cuidando de coisas sem real importância e descuidando do que realmente conta. Para mim o sentido da vida é viver e não ficar procurando por ele. E muito menos ficar esperando pelo momento certo de começar a viver.
Imagem de capa: Shutterstock/Arcansel
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