Por Germana Belo
Considerado na Mitologia Grega como o mais astuto dos mortais, famoso e temido por seus delitos e por sua insubordinação aos Deuses do Olimpo, Sísifo foi condenado a sentença eterna de empurrar uma grande pedra de mármore até o topo de uma montanha só para, frustrado, vê-la rolar novamente montanha abaixo até o ponto de partida por efeito de uma força irredutível. Aprisionado a repetição de uma vivência fadada ao fracasso, o mito de Sísifo fala diretamente a nós e reproduz uma dinâmica reincidente de nossa relação com o outro e com o mundo.
No decorrer de nossas vidas, não raro nos vemos vivendo o mesmo estado de coisas, cenários que não cessam de se repetir, que regularmente, infatigavelmente, retornam, e que nos conduzem por um caminho que não nos apresenta outra saída senão a frustração. São padrões repetitivos que se manifestam em todos os aspectos da vida: no namoro, no casamento, na relação com filhos e pais, na escola, no trabalho. Nos vemos entrando nos mesmos tipos de situações que no passado nos trouxeram dor e dissabores e, muito frequentemente, nos consideramos vítimas dessas circunstâncias que insistem em nos acontecer.
Aqui, a maldição da Mitologia dialoga com o aforismo Nietzschiano que evoca o conceito filosófico do Eterno Retorno: “E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar””.
Esse demônio, porém, reside em nós. A experiência analítica nos mostra como o que está em jogo nessa repetição é algo da ordem inconsciente, algo vivido um dia como traumático que é reeditado na impossibilidade de encontrar uma outra expressão que não seja através do ato. Uma repetição que tenta realizar o impossível, e que ainda que seja sentida como fonte de sofrimento e desprazer, em alguma instância, nos faz “gozar”, muitas vezes, produzindo ganhos secundários práticos em nossas vidas.
Da repetição à frustração, somos, assim, chamados à responsabilidade, pois se como Sísifo padecemos de uma carga imposta sobre a qual sentimos não ter controle, diferente dele, vítima da autoridade divina, temos em nós mesmos o poder de agir sobre essa força e encontrar para ela um outro rumo, uma solução nova, mais saudável, que afirme a potência positiva da vida.
A responsabilidade é o primeiro passo não dado acima da montanha… O primeiro passo no caminho que vai de encontro a uma forma de satisfação inédita para essa exigência que na repetição insiste em se inscrever. Um caminho que poderá nos permitir criar um novo modo de nos relacionarmos com essa parte de nossa história, e reivindicando a autoria de sua narrativa, produzirmos para a mesma um desfecho mais feliz.
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