Já sentiu o desejo de aceitar algo que lhe oferecem, mas por ” educação ” rejeitou? Aquela sobremesa que o anfitrião oferece à visita, aquele lugar mais confortável em um transporte coletivo, a preferência em uma fila… Em algumas culturas, se abster de um favor, uma gentileza, uma facilidade ou simplesmente um gesto de cordialidade, é considerado sinônimo de educação, e recusar algo que, tecnicamente, remete ao prazer e conforto é ensinado como virtude, ao passo que a capacidade de suprimir a satisfação de uma necessidade é demonstração de valor moral.
Indiscutivelmente, a educação imbricada na ponderação é uma qualidade valiosa em um comportamento, seja em qual circunstância for, e deve ser construída ao longo do desenvolvimento de cada indivíduo, de acordo com as regras sociais onde cada um está inserido, contudo, é saudável quando essa maneira de agir se torna exacerbada, generalizando para além da recusa à sobremesa?
Quando criamos um sentido de valor, tendenciamos aplicá-lo em diversas instâncias da vida. Na tenra infância, desde muito cedo, por vezes aprendemos que ” quando o anfitrião nos oferece algo, nos oferece por educação, e é por educação que não se deve aceitar “, verificamos que o que foi ensinado, implicitamente, é que independente da altura do grito que o nosso desejo emite, ele deverá ser ignorado em benefício de uma regra moral, muitas vezes nascida em uma cultura contextual radicalmente diferente da nossa vivência contemporânea.
Em um processo de desenvolvimento psicoemocional inadequado, essa regra é generalizada para sentimentos, afetos do cotidiano. O indivíduo passa a suprimir toda ou grande parte da demanda emocional que surge no seu campo vivencial, e em resposta às expectativas alheias, passa a subordinar sua individualidade às necessidades de outras pessoas ou de um grupo.
Esse padrão de comportamento desajustado reúne uma infinidade de circunstâncias causadoras de sofrimento psíquico: Nessas situações, encontramos a/o filha/o que é ‘ proibida/o ‘ de expandir, (para além do amor que sente em relação aos pais), a paixão que emerge, avassaladora, no enamoramento; O estudante que renuncia à sua vocação, e abandona seus sonhos profissionais para seguir a carreira exercida ou desejada pelos seus ascendentes; A rendição á cultura conservadora familiar que gera o abandono da mochila de viagens, companheira de aventuras…
A incapacidade de se render aos próprios desejos implica na insatisfação das experiências vividas. O indivíduo se aprisiona em uma dinâmica de regras que atendem aos anseios da expectativa, do entendimento, da autoridade ou da cultura alheia, ou de um grupo o qual exerce presunção de influência emocional sobre o influenciado, produzindo um processo de constante irresolução dos próprios problemas.
A ambiguidade e dúvidas encontradas na escolha de se abster do que o organismo pede para atender o que as pessoais conceituais em nossas vidas esperam, cria o ambiente propício para o desenvolvimento de uma infinidade de doenças e distúrbios, tão discutidos em nossa sociedade contemporânea. Pelo viés da Psicologia Humanista, a construção da autoimagem do indivíduo que não experimenta uma vida autêntica, pode favorecer o entendimento de fracasso, desencadeando transtornos que podem variar desde uma alteração de humor, até profunda depressão.
Quando essas dificuldades são reiterativas na vida de alguém, um processo de psicoterapia pode ser fundamentalmente decisivo para o restabelecimento da compreensão entre o que se sente, o que se deve e o que não se deve abdicar. O processo de autoconhecimento sugere o encaminhamento para a autonomia, pela a opção por objetivos que se pretende atingir, a responsabilização por si mesmo, e o livramento sistemático das amarras dos desejos alheios, em benefício de si próprio.
Isso seria equivalente a dizer: ‘ Sim! Eu quero. Além da sobremesas que me ofereces, quero pernoitar na melhor suíte que tens e o melhor café da manhã que consegues me oferecer! ‘ , independente de julgamentos alheios. Sinta o desejo e o torne público! Nosso desejo é o mais autêntico resumo do que somos na essência, quando nós o suprimimos, deixamos de existir, e colocamos a existência de uma terceira pessoa no lugar em que deveríamos estar: O centro de nossas ações!
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