Por Marco Callegaro
A mentira, ou o comportamento de enganar os outros, é um padrão de comportamento que está, amplamente, difundido na natureza. Animais e até plantas se disfarçam para evitar predadores, ou para enganar as presas. Em humanos, além da mentira para enganar os outros, existem variadas formas de autoengano, um tipo de mentira em que a pessoa engana a si mesma, declarando não ter conhecimento de uma informação, embora o seu comportamento revele o contrário. Ou seja, humanos mentem para os outros, mas, também, mentem para si mesmos.
Mentir é um comportamento muito mais corriqueiro do que imaginamos, como revelaram pesquisas, nas quais os participantes eram observados durante conversas e mentiam, pelo menos, uma vez a cada oito minutos. A maioria das mentiras não era grave, em geral, refletiam desculpas para comportamentos socialmente censurados. Um exemplo de mentira detectado nessa pesquisa foi justificar um atraso por ter enfrentado um forte engarrafamento no trânsito, mesmo que o sujeito não tenha, na realidade, se empenhado para ser pontual.
Podemos definir mentira como qualquer forma de comportamento que comunica aos outros informações falsas, ou que serve para ocultar informações verdadeiras. Neste sentido, mentir pode ser um ato consciente ou não, pode ser verbalizado ou transmitido pela linguagem corporal e pode envolver tanto a afirmação da informação falsa, como a negação ou a omissão da informação verdadeira.
O comportamento de mentir evoluiu em função das vantagens de sobrevivência e reprodução, que nossos antepassados obtiveram ao enganar os outros. Mentir também é um comportamento adaptativo em ambientes atuais, e acaba sendo um componente central de nossas interações sociais, em certa medida.
Despistar as intenções, esconder certas informações ou persuadir fazem parte do jogo social de pessoas saudáveis, embora, claro, os psicopatas usem muito mais estes recursos para manipular, de forma maquiavélica e sem consideração pelos outros.
Mentir é mais comum do que imaginamos. Pesquisas nas quais os participantes eram observados durante conversas revelaram que eles mentiam, pelo menos, uma vez a cada oito minutos. Normalmente, as mentiras não eram graves, e envolviam justificativas para comportamentos que são censurados socialmente.
Um estudo em Neurociências, utilizando ressonância magnética funcional, procurou mapear os circuitos neurais envolvidos na mentira. Nesta investigação, os sujeitos eram instruídos a mentir quando se deparavam com uma carta de baralho, que já haviam visto anteriormente. Quando os sujeitos mentiam, negando que tinham visto a carta, aumentava a atividade dos neurônios das regiões do córtex pré-frontal e do giro do cíngulo anterior. O córtex pré-frontal está associado à capacidade de inibição, e o giro do cíngulo anterior, ao direcionamento da atenção e controle dos impulsos, que são faculdades necessárias para que o cérebro possa impedir o surgimento da verdade. Portanto, mentir requer mais processamento e esforço do cérebro do que falar a verdade.
Outros pesquisadores mediram o tempo de reação dos sujeitos, quando se perguntava a eles se conheciam certos fatos. Os sujeitos deveriam apertar um botão para responder a uma pergunta. A descoberta interessante deste estudo foi que a demora para apertar o botão, respondendo à pergunta, era de meio segundo para a resposta sincera, enquanto as respostas mentirosas requeriam maior processamento, levando o dobro do tempo, mais de um segundo. A resposta continuava mais lenta, mesmo quando os sujeitos eram instruídos e treinados a apertar o botão o mais rapidamente possível.
Mentir, portanto, requer mais processamento do que falar a verdade e, dessa forma, consome mais tempo, um elemento que pode dar pistas para detectar o engodo. Talvez essa seja uma razão, pela qual evoluiu o enigmático autoengano, pois quando uma pessoa esconde a verdade de si mesma, não dá sinais de mentira e, assim, não é detectada pelas pistas verbais ou não verbais. Neste sentido, mentir para si mesmo pode ser uma estratégia, que evoluiu para enganar melhor os outros na complexa sociedade dos primatas com maior cérebro e maior tamanho de grupo social de todos, os seres humanos. O filósofo David Smith chegou a sugerir que seria mais correto intitular nossa espécie não como Homo Sapiens (homem sábio), mas, sim, como Homo Fallax, homem mentiroso.
Para saber mais:
David L. Smith (2006). Por que Mentimos: Raízes evolutivas do engodo e a Mente Inconsciente. São Paulo: Elsevier.
Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências revolucionaram o modelo do processamento mental (Artmed, 2011)
TEXTO ORIGINAL DE PSIQUÉ CIÊNCIA E VIDA
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