COMPORTAMENTO

A tecnologia pode fazer alguém adoecer?

A dependência à videogames e a compulsão por internet tem feito estragos significativos em muitas casas, em muitas vidas. Parece ser um assunto já tão batido, mas, acredite: é muito mais complexo do que comumente se imagina.

Nas crianças e adolescentes o comportamento de dependência é mais evidente pois torna-se fonte de sofrimento, não só para as crianças, as maiores implicadas, mas para toda a família. Um dependente pode ficar 24 horas ou por dias jogando e não achar estranheza algum nisso. O problema maior é o padrão que se estabelece com o vídeo game.

O termo “VICIANTE” soa assustador. Todavia, há uma tênue linha divisória, entre um jogador que busca entretenimento e uma obsessão por conquista fácil, rápida e momentânea. O que acontece na dependência é a perda de controle, o abuso leva à compulsão. A pessoa simplesmente não consegue reduzir a frequência com que joga.  A atividade cerebral aciona o sistema de recompensa, o mesmo estimulo proporcionado pelas drogas, sensação de prazer que o cérebro produz.  O bombardeamento no cérebro faz com que o jogador compulsivo precise dessa sensação e saí em busca frenética por esse estímulo que produzirá alimentará a dependência.

Os sintomas de dependência de videogames são muito parecidos com os sintomas de dependência de álcool e outras drogas. E não é incomum como em qualquer tipo de dependência (adicção) a negação e a minimização. A pessoa adulta, crianças e /ou adolescentes provavelmente encontrarão uma infinidade de desculpas para manter , atenuar ou minimizar os estragos ou limitações impostas pelo vício. A dificuldade está em aceitar esta dependência. A aceitação de que o tempo dispendido, o baixo rendimento das suas atividades, as faltas de socialização tornaram-se um problema.

Jogos de RPG on-line estão criando verdadeiras legiões de crianças e adolescentes dependentes. E infelizmente é um fenômeno mundial, tanto que existem clínicas para dependências químicas (como álcool e tabagismo) se adaptando para receber novos adictos desta nova patologia.

A Associação Americana de Psiquiatria considerou a inclusão do vício em videogames na nova e quinta versão do DSM (Manual de Diagnósticos e Estatísticas),em razão dos comportamentos já estabelecido pelos dependentes. Tornou-se quase rotineiro chegar aos nossos consultórios, casos de adolescentes e adultos jovens com graves comprometimentos em razão do uso excessivo dos jogos. Parece existir muita similaridade de estímulos entre os jogos on-line e os de azar, como carteado, jogos de cassino e bingos. Tanto assim que entre os jogos de videogame, aqueles que têm o maior potencial de criar dependência são conhecidos como MMORPG (“massively multiplayer online roleplaying game”). Que são os participantes de desafios e simulações de guerras ( RPG) de maneira intensa, por horas a fio ou até dias seguidos.

O fascínio desses jogos reside na armadilha proposta neles, não há “game over”; o sucesso ou êxito depende das horas investidas; e os desafios que se apresentam dependem fundamentalmente de um grupo de jogadores (para lutar contra o próprio jogo ou contra outras equipes), o que os torna responsáveis pelo time e os desestimula a deixá-lo.

Um estudo publicado em 2005 no American Behavioral Scientist, já apontava pelos autores uma redução do vocabulário e da oralidade em crianças que permaneciam muito tempo em jogos online ou um número excessivo de horas diante da TV, sendo este último uma forma de treino para o comportamento dependente e isolamento social. Os prejuízos trazidos pelo número de horas em que crianças e adolescentes são expostas ao conteúdo da programação televisiva, já há muito traz desconforto para grande parte dos profissionais da saúde, envolvidos com programas de saúde mental, no tocante a um menor desenvolvimento de habilidades linguísticas.

Todavia, não é incomum encontrarmos pesquisadores favoráveis ao uso em idade precoce de recursos tecnológicos, principalmente os fabricantes de jogos. Douglas Gentile, da Universidade de Iowa, psicólogo e pesquisador, afirma que a questão vai além de ser contra ou a favor, os jogos já estão inseridos na realidade de milhares de crianças , adolescentes e jovens adultos mundo afora. Assim, precisamos ter cuidado ao abordar o assunto, não podemos radicalizar e demonizar os games.

A revista científica Psychological Science, defende o uso pedagógico dos jogos, para tratar e reabilitar pacientes com danos cerebrais. Que os desafios virtuais atenuam sintomas em pessoas com demência e com esquizofrenia. Os psiquiatras Doug Han, da Universidade Chung Ang, na Coreia, e Perry Renshaw, da Universidade de Utah, acreditam no potencial de jogos criados para desenvolver o comportamento social. Verificaram que crianças com transtornos do espectro autista tiveram modificação da atividade cerebral em áreas associadas à resposta emocional, o que sugere o efeito positivo do experimento.

Fato, é o estímulo à plasticidade cerebral provocada pelos videogames. Contudo, sabemos por experiência clínica que adolescentes que passa muitas horas -dia jogando videogame, na maioria das vezes, tem uma redução no desempenho escolar. O conteúdo violento tem gerado pensamentos acelerados e sentimentos de agressividade, afetando o comportamento negativamente.

Nos últimos anos foram publicados diversos estudos cuja leitura reforça a ideia de que a aprendizagem por meio de recursos audiovisuais é muito benéfica, mas deve ser utilizada de forma consciente e mediante um propósito específico que não o excesso, do prazer pelo prazer. Ou para permitir aos cuidadores usufruírem de tempo livre, sem monitoramento dos responsáveis. Nenhuma aprendizagem supera a mediada por pais ou educadores bem preparados. Bebês e crianças interagindo com as pessoas, aprendem muito mais. A construção do cérebro humano tem sido calcada na interação social.

 

O limite para sabermos se estamos sendo excessivos no uso de aparelhos tecnológicos é a quantidade de energia e tempo investidos. Importante que tenhamos em vista, se incorremos em negligenciar nossos afazeres urgentes e necessários para ficarmos ou estarmos online . Ou a perda do sono com frequência para ficar conectado/jogando de madrugada. Ou a preferência da Internet/videogame à intimidade com seu/sua parceiro (a). Ou amizades e relacionamentos virtuais aos pessoais. O mesmo raciocínio se aplica aos jovens adolescentes.

Esta dependência pode acontecer independentemente da idade. Para crianças e adolescentes recomenda-se aos pais um controle maior quanto às horas que se joga videogame. Os pais devem combinar com seus filhos horários e dias de uso e o conteúdo dos jogos. Isso deve ser imperioso e não negociável. O indicado é uso de até duas horas por dia no máximo.

A bem da verdade é que somos motivados por desafios e conquistas, seja ele em que universo for, virtual ou em nosso dia-a-dia. Buscamos conquistar, bens ou conhecimentos, traçamos metas de curto e longo prazo e a maioria de nós vive para atingi-las, ainda que efêmeras e virtuais.

Alcançar objetivos e superar limites, desencadeia certa excitação e uma sensação de missão cumprida. Isso tudo é decorrente da liberação de um neurotransmissor chamado de Dopamina.  Ela é responsável pelas sensações de prazer, adeptos de esportes radicais também estão em busca de atividades e estímulos que liberem essa substância no cérebro. Recompensa vinda do desafio, ou reforço positivo constante. Dois lados da mesma moeda. Seja explodindo alguém virtualmente, ou escalando uma montanha íngreme, se lançando de uma ponte amarrado por cordas elásticas. Existe relação com a liberação de dopamina. A questão é: de quanto este cérebro precisa para se satisfazer?

Apontam os neurocientistas que o encharcamento no cérebro da produção de dopamina interfere diretamente nas atividades de funcionamento do córtex pré-frontal, região ligada à tomada de decisões, julgamentos e autocontrole. Explicação dada por cientistas e pesquisadores para compreender a razão dos jogadores perderem a noção de tempo, inclusive deixando de se alimentarem. A situação fica ainda mais complexa quando compreendemos que essa região do cérebro só estará completamente formada quando o jovem alcançar entre 25 e 30 anos.

Imagem de capa: Shutterstock/DisobeyArt

Laila Ali Wahab Morais

Advogada, psicóloga clínica e escolar

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