Por Marcela Bianco
Outro dia fiz um passeio de barco e presenciei um fenômeno da natureza que me surpreendeu: uma revoada de pequeninas borboletas atravessando o mar em direção a uma ilha que avistávamos a muitos quilômetros da embarcação. Elas batiam suas asas tão agilmente que mal era possível ver os detalhes de suas asas. Engajadas em alcançar seu destino, permaneciam vigorosas em suas ações. Desistir significava a morte em alto mar, então pareciam resistir bravamente à aventura.
Um pouco mais tarde descobri que as borboletas monarcas, por exemplo, fazem uma migração anual que as levam a percorrer uma distância de 4 mil quilômetros para fugir do inverno no hemisfério Norte. Elas não possuem um mapa interno que as guiem no caminho, mas há um impulso que as levam a tomar a direção correta. Uma migração que é vista como uma das mais fantástica e intrigantes do planeta. A determinação desses frágeis e pequeninos seres me fez navegar por uma rede de pensamentos sobre a vida…
Quantos de nós, ao vislumbrarmos a distância de um alvo ou de objetivo, abandonamos de imediato uma travessia, uma missão que nos foi incumbida, ou ainda um sonho que desejamos realizar? Quantos de nós, frente ao medo ou à dificuldade do desafio, desistimos de tentar, deixamos para lá e cedemos ao fracasso, ao ponto de conforto ou até mesmo ao desespero e à depressão?
Mas, se formos pensar, praticamente todas as fases da nossa vida nos exigirão esforço extra e o desenvolvimento de novas capacidades e habilidades. E, nem sempre teremos asas grandes e fortes o suficiente para a tarefa. Porém, isso não significa que não devemos responder com coragem ao desafio que nos for colocado.
Quando vamos aprender a andar, por exemplo, nossas perninhas não carregam a firmeza necessária, nossos pés não estão prontos para pisar corretamente, nosso centro de equilíbrio não está habituado com a posição ereta. E, mesmo assim, nossos corpinhos nos convidam a arriscar o caminhar. Sentimos dentro de nós um impulso para explorar o ambiente, queremos pegar as coisas que estão no alto… Ir além do que a posição sentada, deitada e de engatinho nos é capaz de oferecer. Começamos a experimentar e ousar. Fazemos isso, porque desejamos, porque nos sentimos e somos estimulados e porque é assim que o impulso da vida emana de nós. Estamos “prontos”, mesmo que conscientemente não saibamos disso.
Na psicologia e na neurologia usamos o termo prontidão para dizer que o nosso organismo já está preparado para aprender um determinado comportamento e avançar no que nos é próprio do desenvolvimento humano.
Mas, à medida que vamos crescendo e nosso cérebro se desenvolvendo, a relação entre o que somos e o ambiente que nos cerca também vai nos transformando, seja para o nosso bem ou para o nosso mal. Modelos depressivos, desencorajadores ou medrosos, podem nos fazer temer a vida, até nas coisas mais simples que ela nos apresenta. Traumas e momentos dolorosos podem nos deixar marcas profundas que nos paralisam a ação e nos impedem de seguir adiante. A construção de uma autoestima baixa, a existência de inseguranças e a falta de apoio no grupo social também podem ser dificultadores na hora de encarar um desafio ou para transpor uma fase da vida que requer amadurecimento e confiança.
Algumas frases, atitudes e sentimentos podem permanecer por anos em nossas mentes, mesmo que inconscientes. Palavras e gestos que alicerçaram o tom emocional com o qual passamos a enxergar a vida. Lentes que nos ofuscam a visão de quem realmente somos e do que potencialmente podemos fazer em uma determinada situação.
E assim, um “outro” desconhecido que mora dentro de nós toma as rédeas da nossa vida, controla o timão do nosso barco, nos impedindo a plena realização. Castra-nos de agir conforme nossos desejos mais profundos, nos faz temer a vida e, por vezes, escorre por nossos corpos trazendo uma ebulição de sintomas físicos como os de uma crise de pânico ou ansiedade.
Nestes casos, cedemos aos aprendizados e condicionamentos e nos esquecemos daquilo que nos é inato. Nos distanciamos da nossa natureza e potencial e, com isso, sofremos severamente. Pois, ao contrário do ego (centro da consciência), que entende o mundo apenas parcialmente, nosso Self (centro regulador da personalidade total) almeja a realização e a totalidade e, com isso, ele nos pressiona e impele a alcançarmos a nossa própria cura.
Nossa essência sempre bradará por liberdade! Sempre nos soará como um guia interno pronto a nos apontar a direção certa. Às vezes, o caminho usado será o do adoecimento físico e emocional. Por outras, uma insatisfação ou incômodo com um lugar que ocupamos ou um papel que representamos na vida. Em outras, poderá surgir por meio de uma situação que nos força a ir mais além, como uma proposta de trabalho desafiadora, uma viagem ou um novo relacionamento.
Seja qual for a travessia, nosso ser sabe que, apesar de frágeis e vulneráveis, é a própria caminhada que dará forças aos nossos músculos, como foi a própria revoada que deu forças às asas das pequenas borboletas que avistei.
Aliás, se aquelas borboletinhas não tivessem se arriscado sobre o mar, não teriam visto a paisagem sobre novos ângulos, não saberiam de suas próprias forças, não se regozijariam com as delícias da aventura e não desempenhariam o chamado de vida para o qual foram feitas. Não saberiam que poderiam voar para tão longe!
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