Às vezes a gente sonha, imagina um futuro, cria expectativas e, contrariamente ao que queríamos, a tudo que planejávamos, a vida nos leva por outros caminhos. Tempestades fortes, com rajadas de vento geladas, destroem tudo que construímos com enorme esforço. Como se não bastasse, o céu se abre, não para nos iluminar, mas para derrubar torrentes de água que parecem cair somente em nós, como se o universo buscasse de algum modo nos sufocar, transformando-nos em grandes silêncios contínuos de tristeza e desilusão.
A vida em sua extrema exuberância não nos permite compreendê-la e, assim, inevitavelmente sentiremos o peito esmagado pela angústia de não saber para que lugar estamos indo ou pior, não saber perfeitamente o que é o mundo em que vivemos. Com os fracassos que vamos adquirindo, a angústia muitas vezes se converte em tristeza e desesperança, de tal maneira que nosso coração fica tão seco e duro, que perdemos a capacidade de sentir e sonhar.
Desse modo, o viver se torna mecânico, o olhar cinza, os pés completamente presos ao chão. O sujeito sem alma e, por conseguinte, desanimado, perde a vontade de continuar a caminhar, com medo das novas tempestades que sabe que encontrará. Medo de tentar, de cair, de fracassar. Todavia, há outra maneira de viver, senão flertar com o fracasso? Há outro modo de viver, senão enfrentar “Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo infantil de ter pequenas coragens”?
Não há como viver sem estar disposto a enfrentar o mundo e inevitavelmente fracassar. Não há como sentir prazer, sem antes tropeçar na dor, não há como saber o que é alegria, sem conhecer a tristeza. A vida se equilibra em contrastes, o que de um lado traz medo e confusão, e de outro, cor, brilho, felicidades, pois são os contrastes que fazem emergir o novo, o inconcebível, o permanente.
Assim sendo, os fracassos são, antes de qualquer coisa, contrastes entre a doçura e o amargor, o conhecimento e a ignorância, a imensidão da dor e as lacunas de felicidades, a infinitude da vida e a finitude do homem, a secura de uma alma e a alegria da descoberta. Ser parado pelos fracassos é desistir de ser homem, de ser poeta, de ser sonhador e perder a dura, mas maravilhosa, capacidade de dobrar a realidade e dar ao mundo fantasia.
É bem verdade que por vezes as circunstâncias nos levam a querer desistir e a pensar que a melhor coisa é logo morrer para que o sofrimento dessa terra selvagem se estanque. Entretanto, essa é somente a escolha mais fácil, um fracasso último que não permite outros. Ora, mas o que somos nós senão o resultado dos fracassos que tivemos?
O crescimento, a maturidade, as reinvenções, as epifanias, as maravilhosas loucuras, as belezas descobertas em lugares jamais imaginados, os caminhos desbravados que levaram às maiores alegrias. Tudo construído pelos fracassos, pelas novas rotas que nós fomos obrigados a tomar.
Fracassos são dolorosos, mas inerentes à vida e ao prazer. Sem eles não passamos de rabiscos inexpressivos, porque só cai quem está disposto a se jogar no reino dos mistérios, atravessar o vale da sombra da morte e encontrar o caminho de felicidade a que estamos destinados.
Samuel Beckett disse: “Não importa. Tente outra vez. Fracasse outra vez. Fracasse melhor”. Eu vos digo, os fracassos são quedas que nos levam às depressões e nos fazem querer chegar às montanhas, mas o alto da montanha não é o mais importante. O mais importante, o que realmente importa, é nunca parar de subir. É escorregar em uma rocha solta, cair e subir novamente. É perceber as belezas que passam em raros momentos de grandiosidade infinita entre a queda e o passo de dança, a depressão e a montanha, o real e a poesia, o homem e o divino e, sobretudo, entre o fracasso e o sucesso daqueles que tentam outra vez, fracassam outra vez e fracassam sempre melhor.