COMPORTAMENTO

Terapia ACT: o que fazer com o que não conseguimos controlar?

Por Llana Landim

Nesta semana, choramos a tragédia que levou a óbito quase toda a equipe jornalística e o time Chapecoense. De repente, a torcida deixou de ser por um time específico, pois vimos que o mais importante é a torcida pela vida. E agora, para onde foi o sonho de alguém que soube há pouco tempo que seria pai, a realização diante de um grande momento profissional e um quase título que demandou tanto investimento? O que restou disso tudo? Ficou a dor de cada familiar, que é também a dor de cada brasileiro, pois sabemos que poderia ter acontecido com um de nós ou dos nossos.

Não conseguimos controlar a morte, pois pessoas morrem todos os dias, horas e minutos, inclusive aqueles que amamos. Por maior que seja a nostalgia sentida, não teremos o retorno de um tempo bom, como a infância, adolescência e juventude. Não podemos escolher pelo outro a continuidade de um relacionamento, mesmo se formos um dos membros da relação em completa extinção (perda de reforçadores envolvidos no relacionamento).

Não fazemos o tempo prosseguir ao desejar fortemente uma viagem, um título ou um futuro próximo. O contrário também é verdadeiro: não conseguimos parar o tempo. Um corpo ativo, que anseia pelo crescimento, também declina rapidamente. Por outro lado, não há cultura que preze pela eterna juventude capaz de manter um corpo eternamente belo, forte e vivo.

Mesmo com as previsões de tempo positivas para a chuva, não temos completa certeza se choverá. Não temos convicção de que é suficiente apenas colocar o combustível no carro ou no avião para evitar um acidente. Ainda que sejamos, como bons analistas do comportamento, fiéis defensores do uso do método das ciências naturais, a fim de prever e controlar o comportamento, a verdade nunca é absoluta. Definitivamente, por maior e mais bem feita que seja a tentativa, estamos longe de portar o título de proprietários do controle sobre todo e qualquer evento.

E, quando o controle parece escapar de nossas mãos, o que fazer? Hayes, Strosahl e Wilson (1999) tentaram responder a tal dilema existencial. Eles apontam a possibilidade de aceitação como alternativa ao controle. É realizado um esforço para abdicar da tentativa de controlar eventos encobertos, uma vez que, quando se busca parar de sentir e pensar, dispende-se alta energia sem alcançar eficácia. Nesse sentido, após um rompimento ou morte de alguém, se um amigo o aconselha a parar de pensar e esquecer rapidamente o ocorrido, pode ser um alto custo de resposta em vão. Outra possibilidade pode ser, então, considerar que o evento aconteceu e envolve um processo doloroso a ser sentido.

Porém, é um ledo engano acreditar que aceitar é desistir da luta. Quando escolhemos parar de tentar eliminar pensamentos, emoções e estados corpóreos, mudamos a relação com nossos eventos encobertos. Nesse momento, a aceitação já pode ser considerada uma mudança terapêutica. Damos o braço a torcer e optamos por conviver com o que não é possível modificar. Se conseguirmos fazer isso, em razão de nada ser simplista, já estamos de “parabéns”.

Hayes, Strosahl e Wilson (1999), no decorrer da obra, citam exemplos para nos ensinar didaticamente. Alguém com insônia não adormece apenas acionando a “vontade” ou obrigando-se a “parar de pensar para desligar-se”. Da mesma maneira, uma esposa pode amar o seu marido e, concomitantemente, sentir raiva dele. Afirmações contrárias não precisam deixar de existir ao se buscar uma aceitação.

Então, o que cabe ao terapeuta ACT? A tarefa do terapeuta é despatologizar a luta pelo controle. Quando descrevemos as respostas que envolvem estar com raiva, aprendemos o comportamento de auto-observação. Trata-se de um passo fundamental no processo de aceitação na medida em que se torna menos ameaçador acessar a dor e tolerar a existência da mesma. Os autores denominam como disposição psicológica a compreensão de que “experiências de vida invocadas neste exercício, muitas das quais estão ameaçando e promovendo ansiedade, podem ser recebidas de forma pacífica e tranquila” (Hayes, Strosahl, & Wilson, p. 195).

Em poucas palavras, o modelo ACT sugere que a aceitação pode ser da história, da própria consciência, de pensamentos específicos e sentimentos. Pode envolver componentes psicológicos diferentes: desfusão cognitiva (e.g., distanciar o indivíduo dos conteúdos de seus eventos encobertos), escolha, abandono de tentativas de controle, exposição e disponibilidade ativa ao compromisso com a mudança. Aceitação está, por isso, a favor e a serviço da transformação do mundo externo do cliente, ainda que a mudança envolva aceitar a existência de eventos que não conseguimos justificar, tampouco controlar.

Imagem de capa: Shutterstock/Tanongsak Panwan

TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE

REFERÊNCIA

Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An experiential approach to behavior change. New York: The Guilford Press.

Psicologias do Brasil

Informações e dicas sobre Psicologia nos seus vários campos de atuação.

Recent Posts

Veja esta série na Netflix e ela não sairá mais da sua mente

Esta série que acumula mais de 30 indicações em premiações como Emmy e Globo de…

13 horas ago

Filme premiado em Cannes que fez público deixar as salas de cinema aos prantos estreia na Netflix

Vencedor do Grande Prêmio na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 e um…

14 horas ago

Série ousada e provocante da Netflix vai te viciar um pouco mais a cada episódio

É impossível resistir aos encantos dessa série quentíssima que não pára de atrair novos espectadores…

1 dia ago

Influenciadora com doença rara que se tornou símbolo de resistência falece aos 19 anos

A influenciadora digital Beandri Booysen, conhecida por sua coragem e dedicação à conscientização sobre a…

2 dias ago

Tatá precisou de auxílio médico e passou noites sem dormir após acusação de assédio, diz colunista

"Ela ficou apavorada e disse que a dor de ser acusada injustamente é algo inimaginável",…

2 dias ago

Suspense psicológico fenomenal que acaba de estrear na Netflix vai “explodir sua mente”

Será que você é capaz de montar o complexo quebra-cabeça psicológico deste filme?

2 dias ago