O ser humano é um animal desamparado. Bebês e crianças necessitam de um ambiente suficientemente aprazível para se tornar adolescentes e adultos saudáveis. Precisam de cuidados físicos, atenção, presença, carinho equilíbrio emocional e tempo de suas figuras parentais. Cada um de nós depende da participação da mãe – ou de um substituto materno – desde os primeiros instantes de vida até os primeiros anos, numa relação íntima até que a separação sem danos seja possível. A criança precisa perceber as separações que vão acontecendo, de início curtas e não brutais, até que possam ser maiores, sem traumas.
Mães e pais não podem relativizar a dependência do bebê e da criança. Num período de intenso contato, preocupação com a nutrição, a higiene, o andar, a fala, o ambiente em torno, a parte afetiva e emocional é de suma importância. Isso não acontecendo, o desenvolvimento posterior ficará prejudicado. Distanciamentos e afastamentos intensos marcarão a psique e o consequente comportamento do sujeito. Bebês e crianças pequenas têm necessidades concretas e específicas que devem ser saciadas por adultos empáticos, responsáveis e amorosos.
Porque não nos atemos apenas à natureza biológica e somos inseridos no mundo da linguagem e da cultura, para bebês e crianças pequenas, o mundo é vivido como uma série de experiências profundas e intensas. O psicanalista inglês D. W. Winnicott afirma que o mundo que a família compartilha com a criança é também o seu próprio mundo imaginativo e é exatamente por causa disso que ela o experimenta de modo por vezes doloroso. O mundo real tem muito a oferecer à criança, desde que o ambiente em que ela viva seja sadio. Mães e pais não são e não têm como ser perfeitos, mas devem ter desejado a criança e devem amá-la, dentro de suas próprias possibilidades psíquicas.
Todo o desenvolvimento e a saúde mental do sujeito dependem da maneira como foi recebido e tratado nos seus primeiros anos de vida. Assim, o mundo e a vida são percebidos pela criança: ou como algo agradável e amplo a ser desejado e conquistado ou como hostil e agressivo a ser rejeitado e destruído. Mães e pais suficientemente saudáveis e equilibrados dão início e prosseguem por muitos anos ainda a apresentar ao filho o mundo e a vida em doses homeopáticas, capazes de serem apreendidas, elaboradas e vividas tanto interna quanto externamente. O sujeito constrói o que pensa, sente e deseja a partir do que recebeu das figuras parentais e de seu entorno.
W. Winnicott enfatiza que toda a nossa capacidade de ser feliz e plenamente realizado enquanto adultos – sujeitos de linguagem e de desejo – vai depender, além de muitos fatores, do tempo da infância até os seis anos de idade (mas, especialmente, do primeiro ano) e de uma pessoa que exerça a função materna. No entanto, sabemos que não somos estruturados apenas pela mãe. Precisamos do pai, ou de alguém que exerça a função paterna, para nomear o filho e ser por ele nomeado. Quando o pai diz “você é meu filho”, tira o filho do anonimato da espécie e o introduz no mundo da lei e do desejo. Ou seja, na vida humana como tal.
Toda a lógica do pensamento psicanalítico impõe razões práticas, mas vou me ater apenas a uma: a criança não deve ser terceirizada. Muitos pais hoje, mergulhados no discurso capitalista e no consumismo exacerbado, acreditam que podem remeter a terceiros a responsabilidade que lhes é atribuída como mãe e/ou pai. A criança não precisa apenas de alimento ou de quem lhe troque as fraldas: precisa de calor humano, afeto, relação, prazer e serenidade. Negligências, abandonos ou maus tratos, nesses primeiros anos, são desastrosos. É mais um ser humano fadado ao sofrimento psíquico e ao abandono de si mesmo.
Às vezes, um relacionamento terceirizado pode dar certo. Mas o mais comum é que não dê. Além dos problemas já aludidos, não podemos nos esquecer que outros certamente ocorrem. Quem orienta a criança? Quem a interdita, impondo-lhe normas, regras e leis? Babás e professores não são preparados para isso. Menos ainda toda a parafernália midiática. Produtos eletrônicos ou presentes materiais não substituirão o amor que o sujeito necessita. Sendo a maternidade e a paternidade no ser humano frutos de um desejo autêntico, fica a pergunta: todo adulto deve procriar?
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