Por Chris Bertelli
A cada crise de mania ou depressão vivenciada pelo paciente bipolar, importantes partes do cérebro são danificadas. Repetidas ocorrências podem levar a danos muitas vezes irreversíveis.
“O transtorno bipolar é uma doença tóxica, ou seja, são liberadas toxinas que atuam na destruição dos neurônios, levando a perda de capacidade mental”, explica Angela Miranda Scippa, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB).
A crise pode mexer como o equilíbrio do organismo, aumentando o estresse oxidativo em todo o corpo e agravar a doença em si.
“Cada episódio faz com que a doença piore um pouco”, alerta Flavio Kapczinski, psiquiatra e pesquisador da Universidade federal do Rio grande do Sul (UFRGS).
“A cada cinco quadros depressivos, há uma perda de 10 a 20% no hipocampo”, quantifica Fabio Gomes, psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará. O hipocampo é uma estrutura localizada no lobo temporal do cérebro, responsável principalmente pela memória e pela cognição. Nesses casos, por exemplo, os resultados são a falta de concentração e dificuldade na leitura.
“Muitas mudanças reversíveis podem gerar uma grande mudança irreversível”, diz Kapczinski.
Os danos no cérebro podem ser maiores ou menores, dependendo da intensidade e duração dos sintomas e da crise em si. “É como ter um corte no braço. Se você agir logo, pode reduzir as chances de infecção e deixar uma cicatriz menor. Cada episódio de mania ou depressão deixa uma espécie de cicatriz”, relata Angela.
Cada crise gera também um desgaste no corpo. Diversos estudos já demonstraram que a mortalidade entre os pacientes não tratados é maior do que aqueles em tratamento.
“Os bipolares não tratados morrem em média 20 anos antes da população em geral”, alerta Kapczinski.
Além do alto índice de suicídio – estimativas da ABTB apontam que até 50% dos portadores da doença tentam o suicídio pelo menos uma vez na vida e 15% realmente se suicidam – há também uma incidência maior de comorbidades como doenças cardiovasculares e câncer, o que aponta para um deterioração progressiva e consequente agravamento do quadro, que pode até levar à morte.
“O bipolar pode ficar dois anos apresentando sequelas de uma crise ou, em alguns casos, nunca se recuperar. Sem tratamento, as crises vão piorando e as sequelas se acumulando”, completa Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Por isso, o diagnóstico e o tratamento precoce dessa doença crônica são tão importantes.
Atualmente, os pacientes levam em média 10 anos para serem diagnosticados com transtorno bipolar. O desconhecimento e o preconceito e sobre esse transtorno do humor são os principais motivos que levam à demora. Na tentativa de reverter o quadro, a Associação Brasileira de Psiquiatria lançou esta semana, em Natal (RN), durante o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, uma campanha nacional de alerta sobre a doença, que atualmente afeta 2,2% da população brasileira.
“As pessoas não se tratam porque não sabem o que tem, não entendem a doença, não conhecem seu prognóstico. É possível identificar os primeiros sinais e saber que assim que eles aparecem deve-se ir ao médico para evitar uma crise”, diz Antonio Geraldo.
Os principais sintomas do transtorno bipolar são irritação e agitação, depressão, insônia, sentimento de êxtase, fala rápida, distração, alegria exagerada, excitação sexual exacerbada, perda do apetite e pensamentos suicidas.
“Mas não são alterações comuns de humor, como a que estamos acostumados a vivenciar. O comportamento muda, a pessoa age diferente do que costuma ser e os sintomas se apresentam durante sete dias, em média. Parentes, companheiros e amigos são os primeiros a notar”, esclarece Angela.
A doença normalmente se manifesta pela primeira vez na adolescência, mas a pessoa pode apresentar os sintomas em qualquer idade.
“O ritmo biológico desregulado, a privação do sono, ou um evento estressante podem desencadear uma crise. A instabilidade que se instala não é exclusivamente de humor, mas também de funções biológicas como pensamento, metabolismo e ritmo. O humor é somente a que mais aparece”, explica Teng Chei Tung, psiquiatra do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Existem dois tipos mais comuns de transtorno bipolar: o 1 e 2. O primeiro é caracterizado por quadros de euforia e mania intensas, ideias de grandeza, inquietação e comportamento suicida. O segundo apresenta quadro mais leve na intensidade com mania leve, costuma ser falante, tem problemas para dormir e costuma ser agitado.
“Esse é o que passa mais despercebido na sociedade e o mais difícil de ser diagnosticado”, afirma Angela.
O tratamento mais adequado para a doença inclui psicoterapia, medicamentos para regular o humor e psicoeducação (conscientizar o bipolar e a família sobre o transtorno e ajudá-los a identificar as crises e agir).
Os médicos são unânimes em afirmar que os remédios não criam dependência química e ressaltam que eles são necessários e indispensáveis. O tratamento deve ser seguido para toda a vida.
“O objetivo é não só controlar as crises, mas evitar que elas apareçam”, ressalta Antonio Geraldo.
TEXTO ORIGINAL DE IG