POR MÔNICA CAMOLEZE
Em uma visão analítico-comportamental, a personalidade diz respeito às formas com que uma pessoa frequentemente se comporta em sua interação com o mundo, conferindo um caráter consistente e previsível. Assim, dizemos que um indivíduo tende a se comportar de determinadas formas, e essa estabilidade no padrão comportamental é o que permite a previsão de como ele provavelmente se comportará a depender da situação. Esse padrão comportamental, chamado de personalidade, é aprendido durante a história de vida de cada um, portanto, ninguém nasce predeterminado a se comportar de um jeito ou de outro, mas aprende o seu jeito de ser por meio das experiências de vida. (Sousa, 2003; Sousa & Vandenberghe, 2005).
Nesse processo de aprendizagem, inicialmente a criança aprende a ficar sob controle do ambiente externo (e.g.: do que as pessoas ao redor dizem ou fazem), e posteriormente aprende a ficar sob controle do ambiente interno (e.g.: dos próprios pensamentos, desejos e sentimentos). Pessoas que tem um histórico de invalidação, frequentemente tem algum nível de dificuldade de ficar sob controle do seu ambiente interno. Experiências de invalidação dizem respeito a situações em que a opinião própria, sentimentos, sensações e desejos, por exemplo, foram ignorados ou punidos de alguma forma pelas pessoas com quem se convive. Assim, práticas de invalidação ensinam à pessoa que ela está errada sobre suas percepções e descrições acerca de suas experiências, incluindo suas próprias emoções. (Sousa, 2003; Sousa & Vandenberghe, 2005; Lineham, 2010).
Uma criança é invalidada, por exemplo, se frequentemente relata sentir fome, mas sua mãe diz “você não está com fome” e só a alimenta quando ela (a mãe) sente fome. Quando a criança vive frequentemente experiências como essa, ela pode aprender que não sabe o que sente, mas que os outros sabem e, portanto, ela precisa que o outro lhe diga o que fazer e quando fazer. Logicamente, este exemplo é simples e didático, sendo apenas o exemplo de uma cena possível de ser vivenciada em uma família tipicamente invalidante.
Um histórico de invalidação, portanto, traz prejuízos ao indivíduo porque o coloca em uma condição de dependência do ambiente externo e das pessoas, pois ele não aprendeu e não sabe o que quer, o que sente, o que deve ou não fazer, como e quando fazer, precisando que os outros lhe digam tudo isso. Esse padrão de dependência das pessoas, leva o indivíduo a uma sensação de impotência, vazio, insegurança, confusão e indecisão, e devido a essa instabilidade e inconsistência, essas pessoas mudam a forma de se comportar rapidamente (Sousa, 2003; Sousa & Vandenberghe, 2005). Lineham (2010) se refere a essa mudança repentina de comportamentos quando diz que, para estas pessoas, “a identidade é definida em termos de cada momento atual e cada interação experimentada isoladamente e, assim, é variável e imprevisível, ao invés de estável” (p. 46). É essa inconsistência e imprevisibilidade comportamental que caracteriza, de modo geral, o transtorno de personalidade borderline (TPB).
Lineham (2010) pontua as seguintes consequências de se conviver em ambientes invalidantes: 1) a criança não aprende a nomear as próprias emoções; 2) não aprende a administrar suas emoções; 3) não aprende a nomear as reações emocionais; 4) não aprende a tolerar a tensão ou formular expectativas realistas diante de uma situação; 5) a criança aprende que é preciso ter reações emocionais intensas para que se obtenha algum resultado favorável; 6) e aprende que não pode confiar em suas emoções e cognições, necessitando buscar no ambiente externo o que ela deve pensar, sentir ou fazer.
A dependência do ambiente externo traz ainda outros prejuízos, como a dificuldade de ficar sozinho, pois estar só significa estar sem seu referencial externo, aquele que diz o que deve ser feito ou sentido. Essa dificuldade também costuma ter como pano de fundo um histórico de negligência, em que os pais não atenderam às necessidades básicas da criança, ou não forneceram suporte emocional quando necessário, deixando-a só e tornando aversiva essa experiência. (Sousa, 2003; Sousa & Vandenberghe, 2005).
Para fins de diagnóstico, o DSM IV-TR classifica o transtorno de personalidade borderline como caracterizado por um padrão invasivo de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, autoimagem, afetos e acentuada impulsividade, que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, como indicado por cinco (ou mais) dos seguintes critérios:
A partir do que se sabe a respeito deste transtorno, Lineham (2010), criadora da terapia comportamental dialética (DBT) para o transtorno de personalidade borderline, classificou as dificuldades características do transtorno em cinco padrões diferentes: 1) desregulação emocional; 2) desregulação interpessoal; 3) desregulação comportamental; 4) desregulação cognitiva; e 5) disfunção do self.
A desregulação emocional é caracterizada por reações emocionais intensas, relacionadas a episódios depressivos, crises de ansiedade, irritabilidade, raiva e a suas formas de expressão. A desregulação interpessoal se refere a relações que são estáveis, porém, intensas e conflituosas, marcadas por esforços para evitar o abandono de uma pessoa significativa. A desregulação comportamental é marcada por ameaças de suicídio ou parassuicídio, comportamentos autoagressivos e impulsivos (e.g. abuso de substâncias, compras, sexo, etc.). Sobre a desregulação cognitiva, esta é marcada por formas breves de despersonalização, dissociação e delírios, e ocorrem a partir de situações estressantes que a pessoa vivencia. Por último, a disfunção do self é caracterizada por uma percepção instável de si e sensação de vazio crônico. (Lineham, 2010).
A terapia comportamental dialética (DBT), de Marsha Lineham, tem obtido resultados satisfatórios no tratamento do transtorno da personalidade borderline. No entanto, o TPB e a DBT são pouco conhecidos pela população, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento para estes casos. Neste sentido, entender as características principais do transtorno é um primeiro passo rumo à conscientização.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association. (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (4a ed.). Porto Alegre: Artmed.
Lineham, M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre, RS: Artmed.
Sousa, A. C. A. (2003). Transtorno da personalidade borderline sob uma perspectiva analítico-funcional. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5, 131-137.
Sousa, A. C. A. & Vandenberghe, L. (2005). A emergência do transtorno da personalidade borderline: uma visão comportamental. Interação em Psicologia, 9, 381-390.
Fonte: Comporte-se
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