A denominação “Transtorno de Pânico”, “Síndrome do Pânico” ou simplesmente “Pânico” está presente na linguagem cotidiana, não é estranho escutarmos essas expressões como referencia á certos estados afetivos ou certas situações envolvendo comportamentos variados. Nessa “psicopatologia do senso comum” encontramos sentimentos, vivências e impressões vinculadas á patologia dos manuais psiquiátricos: Tomando como referencia a psicanálise e suas teorias a respeito da angustia; o que podemos considerar da expressão pânico em seu uso comum no humor?
Transtorno de Pânico é antes de tudo um diagnóstico psiquiátrico especificado no CID-10, trata-se de uma leitura contemporânea de alguns fenômenos clínicos que encontram similaridades com as denominadas Neuroses Atuais da classificação Freudiana, em especial a Neuroses de Angustia que permaneceu nos manuais psiquiátricos até 1979 (Ribeiro, 2009).
Os primeiros estudos sobre a Neurose de Angustia partem de um destacamento de certos fatores da neurastenia não relacionados á deterioração neurológica, ou seja, Freud percebeu nos estudos neurológicos de Beard uma neurose, portanto um quadro patológico envolvendo certos mecanismos sexuais (Ribeiro, 2009). Essa investigação elenca aspectos da vida sexual de homens e mulheres nos quais a psique não maneja um excedente libidinal endógeno que é projetado para fora via mecanismos acionados por gatilhos externos (FREUD, 1894, p63). Os sintomas da neurose de angustia se desencadeiam após o processo de recalcamento secundário, em um modo especifico de falhar que escoa a energia excessiva diretamente para o corpo erógeno, inscrevendo ali certo sentido psíquico sexual (PISETTA, 2008): sudorese, palpitação, paralisias, calafrios entre muitos outros que são, segundo essa teoria, manifestações sintomáticas pelas quais o tom afetivo da angustia é desvelado em substituto á sua manifestação esperada no coito sexual satisfatório (FREUD, 1864, p63).
Posteriormente Freud modifica suas considerações situando a angustia como anterior á libido e ao recalque, portanto a angustia não pode ser entendida como uma simples afetação agônica no processo de recalcamento, algo ocasionado simplesmente por uma “válvula de emergência” que equilibra um excesso de excitação na fronteira psíquica. A angustia nessa nova perspectiva é o que se deriva do trauma e dos sinais que apontam para a sua virtualidade, ou seja, é a reação defensiva á uma possível ocorrência externa que ameaça a realidade psíquica interna, logo remetida ao real ameaçador externo-interno: trata-se de um afeto que não pode ser simbolizado e imaginado; portanto não pode ser representado psiquicamente, estando presente somente diante dos sinais de perda, desamparo, falta e morte remetidas ao complexo de castração e articulados a outras situações do desenvolvimento emocional infantil (PSETTA, 2008).
Simplificadamente temos que sintomas descritos na Neurose de Angustia são consequência de uma falha do recalque (e não mais no recalque), trata-se de um transbordamento que rompe os limites do eu desvelando a angustia em um grau de inespecificidade, isto é, os elementos aterrorizantes (internos) apresentam-se diluídos nas relações com todos os objetos, como também nas várias situações e lugares que possuem relações com os objetos e assim por diante.
Tomemos os filmes do tipo Pânico que sempre repetem a seguinte fórmula: Um grupo de jovens acaba preso em algum lugar longe de suas casas, dão-se conta de que gozam de relativa liberdade e precisam lidar cada um com seus respectivos (e dos outros) desejos sexuais, defrontam-se todos com a estranha figura do pânico (similar à representação da morte) que os persegue com uma faca. Pensando o mesmo filme na perspectiva de sua sátira, Todo Mundo em Pânico, os jovens são retratados fazendo uso excessivo de drogas, totalmente despreparados e imaturos diante da sexualidade, em geral identificados a uma cultura da futilidade, excessivamente mimados e reparem que o pânico em pessoa é retratado como uma espécie de clown fantasiado podendo ser qualquer um dos jovens ali.
Encontramos na banalidade da expressão pânico algumas imagens e representações, todas condizentes com essa tão estranha e ao mesmo tempo familiar sensação que diz respeito ao excesso de vida (e morte) constitutivo do homem. Se a exemplo dos filmes e programas de humor já de saída considerar-se o declínio cultural circundante e a própria precariedade da existência humana, sabendo extrair dessas representações os elementos que denotam o excesso do humano como ridículo, talvez o próprio pânico perca suas feições aterrorizantes, talvez ele esmoreça e se enfastie diante de nós mesmos.
Referências
RIBEIRO, Maria Mazzarello Cotta. Neurose de angústia e transtorno de pânico. Reverso, Belo Horizonte , v. 31, n. 58, set. 2009 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952009000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 19 ago. 2015.
PISETTA, Maria Angélica Augusto de Mello. Considerações sobre as teorias da angústia em Freud. Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 28, n. 2, p. 404-417, 2008 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932008000200014&lng=en&nrm=iso>. access on 23 Aug. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932008000200014.
FREUD, Sigmund. Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intitulada ‘neurose de angustia'(1894). ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.III, p. 63.