Depressão

Tristeza não é depressão, depressão é não sentir nada

Por Vera Novais

Tristeza não é depressão, embora a prostração seja um dos estados comuns de quem sofre da doença. Assim, não podemos classificar todas as pessoas tristes como deprimidas, mas nem por isso os números da doença são menos preocupantes – há mais de 350 milhões de pessoas com depressão em todo o mundo, refere a Organização Mundial de Saúde.

A depressão é uma das doenças mais comuns em todo o mundo e uma das principais causas de incapacidade. As faltas ao trabalho, ou a presença não produtiva dos trabalhadores, significam perdas significativas para as empresas. Um impacto económico que chega aos 92 mil milhões de euros na Europa refere a Eutimia – Aliança Europeia Contra a Depressão em Portugal.

Além do prejuízo económico, a doença tem elevados custos humanos: cerca de dois terços das pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão, refere a Nature. Só no Reino Unido três quartos das pessoas com depressão nunca chegam a receber diagnóstico ou tratamento.

“O problema é que muitas pessoas acham que a depressão não é uma verdadeira doença, que é uma reação às situações difíceis da vida”, diz ao Observador Ulrich Hegerl, presidente da direção da Aliança Europeia Contra a Depressão. Enquanto as pessoas não perceberem que isto é um problema real, o dinheiro para a investigação nesta área vai faltar, assim como os recursos para tratar as pessoas, afirma o psiquiatra.

Muitas pessoas pensam que qualquer doença psicológica pode ser chamada de depressão, mas não é bem assim, pois não? O que é realmente a depressão?

Se eu tiver em consulta uma mulher que perdeu o marido, que tem uma doença somática grave, que tem de deixar a casa e que tem problemas com os filhos, é claro que esta mulher estará triste e desesperada, mas isto não é uma depressão.

Para saber se estou perante uma depressão ou não, procuro vários sintomas. Por exemplo, se há uma tendência para sentimentos de culpa. Isto é típico da depressão. Ela não culpa os filhos que não a visitam, mas culpa-se por ser uma má pessoa, por fazer as coisas erradas. Depois, as pessoas dizem que estão cansadas, não no sentido de ensonadas, mas no contrário – estão exaustas, devido a um estado de elevada excitação interior. E as pessoas dizem também que não são capazes de sentir nada, nem mesmo a dor de perder alguém. Em termos técnicos é a “sensação de não sentir nada”. É um estado específico em que não é visível nenhum tipo de sentimentos, nem alegria, nem raiva. É como se estivessem mortos por dentro.

Quando eu falo com uma destas pessoas, com uma depressão profunda, é sempre interessante perceber que durante uma conversa não há quaisquer movimentos ou expressões que seria normal vermos numa conversa com outra pessoa – movimentos para a frente e para trás, por exemplo. Apresentam o mesmo estado emocional o tempo todo.

Claro que precisamos ainda de observar outros sintomas e que estes se mantenham durante duas semanas, para que se cumpram os critérios de diagnóstico da depressão. São eles: estar abatido, ter perturbações na energia – não é falta de energia, mas inibição de energia, que quer dizer que há uma resistência ao movimento ou à fala, que é diferente de estar sonolento -, anedonia (incapacidade de sentir prazer, nem mesmo nas coisas mais felizes) e, claro, distúrbios de processos cerebrais. Pelo menos dois destes sintomas centrais têm de estar presentes durante duas semanas.

Mas há pessoas que, por vezes, se sentem assim durante alguns dias. Estão deprimidas?

Se alguma coisa muito má acontece, pode estar presente durante um período de tempo curto, mas não está presente durante duas semanas. E há outros sintomas que têm de manifestar-se, como problemas em dormir – quase todos os doentes com depressão os têm -, perda de apetite com frequente perda de peso, porque não sentem prazer em comer, problemas de concentração e de memória, o que leva as pessoas a pensarem que têm Alzheimer, sentimento de culpa e desespero.

Quando se tem uma depressão tem-se sempre a sensação que é um estado terrível e que não há escapatória, não se tem a sensação de que é um mau episódio que vai passar e que em poucos dias vai-se estar bem. A sensação de não haver escape, de não haver esperança, leva aos pensamentos sobre como se pode acabar com este estado terrível — aos pensamentos suicidas. É um risco permanente na depressão que as pessoas tenham comportamentos suicidas. A depressão é a maior causa de suicídios em todo o mundo.

Todas as pessoas com depressão têm este tipo de pensamentos?

Mesmo pessoas que não estejam com uma depressão, em momentos mais difíceis da vida, podem ter este tipo de pensamentos. Mas a maior parte das pessoas com depressão têm pensamentos destes [suicidas] e muitas desenvolvem impulsos neste sentido. Muitas assustam-se com estes impulsos e procuram um médico, porque começam a ter medo de se magoarem. Os pensamentos vêm subitamente, como estar perto de uma linha do comboio e pensar em saltar.

Qual a origem da depressão? É genética, ambiental, traumática ou tudo isto?

A definição de depressão é que é uma disfunção da mente e do corpo. Muitos doentes perguntam isso [qual a origem] e eu explico sempre com o exemplo da moeda que tem duas faces. Enquanto ser humano podemos observar a interação social: o que a pessoa está a dizer, qual a história da sua vida, que boas e más experiências teve antes. Neste nível de observação podemos detetar fatores que aumentam o risco de depressão no futuro. Por exemplo, os traumas e abusos nos primeiros anos de vida aumentam o risco de depressão no futuro.

Às vezes encontramos gatilhos para a depressão, como acontecimentos negativos. Às vezes mesmo acontecimentos positivos podem ser um gatilho, como entrar de férias. São as mudanças na constância da vida que podem desencadear a doença. Claro que podemos tratar este lado da moeda com psicoterapia.

Mas a moeda tem sempre outro lado, neste caso, interior – o que se passa no cérebro em termos biológicos. A genética, que influencia o risco de ficar doente, mudanças nos neurotransmissores e nos processos que ainda não foram completamente compreendidos – é muito complexo. Neste caso, pode tratar-se as mudanças nos neurotransmissores com antidepressivos. Não se trata de um tratamento em detrimento de outro, é um uso complementar.

Imagem de capa: Shutterstock/Stanislaw Mikulski

TEXTO ORIGINAL E COMPLETO EM  OBSERVADOR.PT

 

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