Por Larissa Jansson
“Eu me olho no espelho e não me reconheço… E estranho a minha voz. Partes do meu corpo também são estranhas… O mundo parece irreal, um sonho constante. Não sei explicar!” diz a estudante de biomedicina Ana, 21 anos, que sofre de transtorno de despersonalização e desrealização, um tipo de transtorno dissociativo.
Nos quadros dissociativos há um comprometimento da percepção do indivíduo em relação à consciência, memória, identidade e ao ambiente à sua volta. Em situações normais, essas funções devem ser reconhecidas como únicas e interligadas.
Podem ocorrer sensação de anestesia sensorial (sentidos menos sensíveis aos estímulos do ambiente) e sentimento de perda de controle de algumas funções, como a da fala. A despersonalização pode ser resumida como uma sensação de irrealidade para com o próprio corpo. É como se ele não fosse do indivíduo ou não existisse.
Problemas em comum
Com a sensação de que o mundo parece irreal, um sonho, a pessoa se sente como se estivesse “dentro de um filme”, onde tudo ao seu redor parece estranho e mecânico. Na desrealização, os objetos podem ser percebidos de maneira alterada no tamanho e na forma (macroscopia e microscopia). A desrealização pode estar presente sem a despersonalização. Nesse caso, os problemas de percepção estão ligados com a realidade e não com o corpo.
A psicóloga Giovana Tessaro explica que a despersonalização e a desrealização podem ser sintomas de outros problemas. “Elas podem surgir em outros quadros patológicos como depressão maior, transtorno de estresse pós-traumático e abuso de substâncias tóxicas. São bastante comuns em ataques de pânico”. Nesses casos, se a causa do problema for tratada, a despersonalização e a desrealização tendem a desaparecer. “O maior número de casos com sintomas de despersonalização e desrealização são concomitantes a doenças como essas. É difícil encontrar um paciente apenas com transtorno de despersonalização”, diz a psicóloga.
O transtorno de despersonalização é diagnosticado quando não há outra doença presente e a frequência dos sintomas causa muito sofrimento e prejuízo na qualidade de vida do paciente. Nos quadros de despersonalização e desrealização crônicas, a angústia do indivíduo pode ser tão intensa a ponto de causar desejo suicida, o que requer ajuda especializada rápida.
Tensão cerebral
Há evidências de hiperativação interna do córtex pré-frontal (área do cérebro envolvida na tomada de decisões e controle emocional) e hipoativação das amígdalas (onde ficam registradas as memórias emocionais). Isso estabelece um estado contraditório de hipervigilância e apatia. O cérebro está sempre alerta, mas as emoções são fracas. E essa tensão cerebral causa muito cansaço e indisposição.
Podem existir sintomas de ansiedade e depressão, pensamentos obsessivos e confusão quanto ao sentido do tempo, que parece passar muito rapidamente. Sonolência excessiva, sensação de não existir e de cabeça vazia e pressão na cabeça são comuns nesses pacientes.
Pessoas com despersonalização e desrealização apresentam dificuldades para sentir emoções e identificá-las. Há a lembrança dos fatos intelectualmente, mas não emocionalmente. Existem também problemas de concentração, percepção, memória e tendência ao isolamento.
O estudante de publicidade Hugo Galvão, de 22 anos, teve várias crises de pânico que culminaram em despersonalização. Mesmo com o fim das crises, o quadro continuou. Galvão procurou vários médicos e psicólogos, mas nenhum conseguiu identificar o transtorno. Foi orientado a tomar um antidepressivo que agravou os sintomas. Ele descobriu o problema através de pesquisas e fóruns na internet. “Começou há mais ou menos um ano. Não consigo sentir as mesmas emoções de antes. A natureza, um passeio em uma noite estrelada antigamente eram motivos de muita alegria. Hoje, por mais que eu tente, não consigo sentir emoções como antes”, lamenta.
Hugo também reclama de problemas sensoriais. “O que mais me incomoda é sentir meu corpo flutuando. Vejo os objetos com tamanho ampliado, não sinto partes de meu corpo, geralmente do lado esquerdo. A visão fica embaçada, falta concentração. Já fui quase atropelado por causa da percepção ruim”.
A dor de não conseguir sentir as emoções satisfatoriamente pode levar ao desespero quem sofre de despersonalização e desrealização. Esse tipo de comportamento pode fazer com que o indivíduo se coloque em situações arriscadas ou viva de forma turbulenta.
Frustrada com sua insensibilidade devido ao mesmo problema de Hugo, a psicóloga Carla, de 25 anos, fica agressiva. “Tenho impulsos agressivos sim, devido ao fato de estar nessa situação. Tem dias em que não me conformo com minha condição. Já quebrei celular, quebrei um dente da minha mãe, quebrei secador, tudo por conta de perceber que não sinto nada”, desabafa.
Consciência paralela
A psicóloga e pedagoga Sandra Silva acredita que as oscilações de humor entre apatia e agitação, falta de concentração e percepção e em alguns casos agressividade podem levar a diagnósticos equivocados como transtorno bipolar, transtorno de personalidade borderline, ciclotimia ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). “A medicação usada no TDAH, Ritalina, é perigosa para quem tem despersonalização e desrealização. Os sintomas são os mesmos, mas os cérebros funcionam de formas opostas”.
Para Jorge Teixeira, situações traumáticas têm papel importante no quadro dissociativo. “Isso ocorre como uma reação a um acontecimento traumático, criando um bloqueio da consciência em relação ao evento. Dessa forma o indivíduo cria uma ‘consciência paralela’, evitando entrar em contato com as lembranças ruins”, explica.
Sandra Silva afirma que a despersonalização e a desrealização podem ter início na infância. “Quando a realidade do meio é dura demais para a criança, algo acontece em sua mente. Em vez de lidar com essa realidade difícil, joga as informações no inconsciente e começa a viver no seu mundo paralelo, desenvolvendo uma forma possível de sobrevivência”, diz. Sandra explica que a mente faz isso independentemente da vontade da pessoa e que o cérebro fixa esse novo comportamento com o passar do tempo.
Giovana Tessaro também liga a dissociação a problemas no lar. “Traumas, situações de abuso, desamparo e abandono ocorridas principalmente na infância são a causa do problema. Na medida em que os traumas são resolvidos os pacientes melhoram a percepção de si e do mundo”.
Sandra diz que os pais precisam ficar atentos a qualquer sinal de isolamento da criança. “Se notarem excessivo isolamento, encaminhem-na a um profissional, que terá meios de identificar o problema. Quanto mais cedo o tratamento iniciar, maiores serão as chances de recuperação, pois o cérebro ainda não se fixou a esse modo de funcionar”, aconselha. Os pais precisam ter em mente que devem fazer do lar um lugar seguro e saudável.
Além de traumas de infância, toda situação de estresse extremo, dor, conflito ou perda podem desencadear a doença.
Drogas
Além da despersonalização e da desrealização causada por traumas e estresse, há exemplos de casos originados por uso de drogas e álcool. A estudante Vanessa, de 22 anos, com dificuldade para controlar a ansiedade, fez uso de maconha para relaxar. Enquanto usava a droga, ela sofreu uma crise de pânico seguida de desrealização permanente. “Agora eu sei que a maconha pode começar uma desrealização. Descobri da pior forma”, lamenta.
Devido ao estado de ansiedade e estresse constantes na despersonalização e desrealização, é preciso tomar cuidado com tudo o que altere a já estimulada química cerebral. A medicação receitada precisa ter base em estudos publicados sobre o tema.
Larissa Jansson é jornalista
Vida e Saúde – Jul 2011, p.47 a 49. Via despersonalizacao.com.br
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