Em tempos de ostentação, superficialidade e aparências, em que o parecer se tornou mais importante do que o ser, é extremamente difícil encontrar pessoas que apreciam a companhia das outras em seus mínimos detalhes.
Tudo que gira em torno do “encontro” parece ser mais importante do que as próprias pessoas envoltas nele, e a selfie (ou selfies) assumiu o protagonismo ante às conversas, não raras vezes, superficiais e girando em torno de lugares comuns, sem qualquer grau de intimidade e profundidade. Diante disso, pergunto-me: será que o lugar, a selfie e os protocolos sociais são mais importantes do que a companhia, ou uma boa companhia é melhor do qualquer lugar?
Como diria um poeta português: “A intimidade é o último refúgio”. Estar em um lugar “bacana” com pessoas superficiais não vale a pena. Não é isso que proporcionará felicidade, tampouco, fará com que esses momentos sejam transpostos ao infinito pela memória. Para que isso ocorra é preciso que haja sincronicidade entre as almas, comunicação entre os olhos e ligação entre as falas, coisas que independem de lugar, hora ou dinheiro.
Sendo assim, o que importa é a comunicação estabelecida, seja com palavras, seja com os silêncios, porque são nos silêncios, lembrando Rubem Alves, que a gente escuta, presta atenção nas entrelinhas do coração, na melodia das palavras. Ao mesmo tempo em que a gente se sente acolhido, o coração sereno e os olhos vibrantes.
E isso pode acontecer estando sentando em um banquinho, comendo um “dogão” e bebendo coca, ao mesmo tempo em que as palavras fluem como se direcionassem para um rio caudaloso de tranquilidade, como se cada letra não fosse falada de qualquer forma, mas acompanhasse um tom, uma melodia em profunda sincronia com o universo, de modo que a nossa dimensão finita pudesse, mesmo que apenas por alguns segundos, penetrar a sua infinitude incompreensível.
E os nossos olhos passam a enxergar a obviedade, o cotidiano, as trivialidades, as pessoas indo e vindo, com significado, com beleza, poesia, porque é nisso que reside a beleza inexplicável da vida e não em momentos de grandiosidades vazias. É sentando na ponta da calçada, olhando a sarjeta sendo iluminada pelo céu, se permitindo divagar pela existência, em seus caminhos mais obscuros e sinuosos. Compartilhando uma música, ou simplesmente sentindo a brisa que corre pela noite e vem de encontro ao nosso corpo como se quisesse abraçar a nossa alma.
Pode ser em casa, assistindo Netflix e dividindo uma pizza. Rindo até a barriga doer, até mesmo daquelas piadas completamente sem graça, porque a alegria é tão grande, que a gente fica com o riso frouxo.
Uma boa companhia é melhor do qualquer lugar. Mais do que isso: é o melhor lugar que podemos encontrar para repousar o nosso desassossego, porque quando conseguimos escutar o nosso eu ecoando dentro de outro espaço, percebemos que a nossa existência vai muito além do nosso existir.
Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock
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