Quase todo mundo já ouviu alguém proferir a famigerada frase: “Quem vai ao médico procura doença, e quem procura acha”, ou já esbarrou com aquele tio ou aquela tia que diz com orgulho que raramente recorre a um hospital. Sim, estas pessoas estão por toda a parte, fugindo de consultas médicas, adiando exames importantes, entrando em pânico só em imaginar ter que se sentar diante de um médico, ou suando frio na cadeira do dentista. O que talvez você não saiba é que este tipo de reação que algumas pessoas têm diante de médicos, enfermeiros, dentistas e outros profissionais de saúde, pode ser algo além de uma simples ignorância, ou de um medo bobo. Pode ser que esta pessoa tenha latrofobia ou iatrofobia – do grego “iatrós”, que significa médico. Medo de médico, portanto. Ou, como é mais conhecida, a “síndrome do jaleco branco”.
Segundo registros da Universidade da Califórnia, a síndrome foi identificada pela primeira vez no início dos anos 1980. Seu principal sintoma é a hipertensão pontual, ou seja, os pacientes têm leituras de pressão alta em um ambiente médico mas condições normais fora do consultório.
Ainda é difícil calcular com precisão quantas pessoas sofrem com esse problema ao redor do mundo, principalmente por conta da subnotificação, mas o quadro é mais comum do que parece. Estudo divulgado no último dia 10 pela Universidade da Pensilvânia estima que uma em cada cinco pessoas tenha os sintomas.
“Seria muito importante identificarmos os pacientes que sofrem disso”, ressalta a médica Jordana B. Cohen, uma das pesquisadoras. “Fobias médicas, incluindo medo de hospitais, médicos, injeções ou doenças, representam mais da metade das fobias dos pacientes que me procuram”, diz à BBC News Brasil o psicólogo britânico Adam Michael Cox, clínico especializado em tratamento de fobias, medos e ansiedades.
“Trata-se de uma fobia situacional, que envolve uma avaliação constante de não apenas quem são [os médicos], mas o que eles representam”, explica Cox. “Muitas pessoas se sentem insignificantes ou desamparadas quando lidam com figuras de autoridade. Há um sentimento de que os médicos têm o poder da vida e da morte.”
Para o psicólogo brasileiro Renato Belin Castellucci, especializado em experiências de transcendência, há várias situações que podem fazer com que uma pessoa sinta essa fobia – e é comum que o quadro, mesmo manifestado na vida adulta, tenha ligação com algum experiência da infância.
“A psicologia nos ajuda a entender que a jornada de cada ser humano é muito única e muito individualiza”, pondera ele. “Isso, na prática, significa que quando analisamos sintomas em pessoas diferentes, eles podem ter uma base emocional original muito diversa em cada uma delas.”
Segundo ele, um fator que pode desencadear a síndrome do jaleco branco é a pessoa ter sofrido algum trauma em um atendimento médico. “Pode ser algo simples, como tomar injeção quando criança. E associar a experiência com dor e medo.
Essa resposta inconsciente, segundo o especialista, acaba sendo carregada pela pessoa em sua memória. E associada a elementos que compõem esse ambiente: as figuras do médico e do enfermeiro, o mobiliário de um posto de saúde, os corredores de um hospital, a maca do consultório. “Trata-se de uma associação de estímulos. A pessoa acaba se condicionando e tendo uma resposta emocional automática, em forma de taquicardia por exemplo”, complementa.
Castellucci ressalta que há outras possibilidades, contudo. “A mente humana tem mecanismos muito complexos. Muitas vezes a questão não é exatamente com relação a um trauma médico, mas pode ser o que sua figura representa no imaginário daquele contexto. Em nossa cultura, por exemplo, é comum associar o médico a um status social hierarquicamente superior na sociedade”, exemplifica. “Algumas pessoas criam uma espécie de resistência a esse tipo de hierarquia. Nesse caso, paciente transfere ao médico essa sensação, a de que algo que ela quer evitar.”
Há ainda o fato de que muitas pessoas têm aversão a mudanças. E, cientes de que um processo de cura e de tratamento configura orientações médicas para mudanças de hábitos, inconscientemente pode ser criada uma resistência. “Por isso essa síndrome aparece com frequência em dependentes químicos. É consequência, nesses casos, de um temor de que haja uma orientação a largar o tipo de conduta”, afirma.
Por fim, o psicólogo lembra que o meio cultural de cada um pode ser um fator desencadeador da síndrome. Seria, por exemplo, o caso de uma criança que, ainda sem compreender muito bem, vem a avó sendo tratada de uma doença grave e, depois, morrendo em um ambiente hospitalar. “Essa experiência, profundamente negativa, acaba inconscientemente associando o ‘ir ao médico’ como algo negativo. Como se ir ao médico significasse risco de morrer”, diz.
Em um estudo conduzido pelo médico Stanley S. Franklin, especialista em doenças cardiovasculares e professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, constatou-se que a síndrome, quando não tratada, aumenta de forma mais contundente em pacientes mais velhos. A pesquisa constatou que a diferença entre as leituras de pressão em um ambiente hospitalar e fora dele vai se tornando maior quanto mais alta for a idade do paciente.
No trabalho, cujos resultados foram publicados em 2016, foram analisados 653 pacientes, todos eles com quadro de pressão alta. Eles foram acompanhados por 10 anos. Na conclusão do estudo, uma recomendação: que pacientes com quadro de hipertensão, sobretudo os idosos e com maior risco de acidentes cardiovasculares, sejam examinados com maior frequência e em diferentes ambientes – para que o diagnóstico seja resultado de múltiplas aferições.
O alerta é corroborado por um estudo mais recente, desenvolvido pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e publicado no último dia 10 no periódico de pesquisas médicas Annals of Internal Medicine.
Na pesquisa, os cientistas concluíram que aqueles que não tratam a síndrome tem duas vezes mais chances de morrer de doença cardíaca do que as pessoas com pressão arterial normal. Em números, a pesquisa indicou 36% mais chances de doença cardíaca, 33% a mais de risco de morte e 109% no risco de morte por doença cardíaca de pessoas com esse quadro – quando comparados a pacientes sem a síndrome.
Ao mesmo tempo, os pesquisadores concluíram o que já era esperado: que os pacientes com hipertensão por causa da síndrome do jaleco branco costumam ser medicados com anti-hipertensivos desnecessariamente, justamente pelo diagnóstico equivocado.
“Advertimos para que não sejam tratados excessivamente indivíduos assim. Pois [a medicação] poderia levar a pressões sanguíneas perigosamente baixas fora do consultório e causar efeitos colaterais desnecessários”, pontua a médica Jordana B. Cohen, principal autora da pesquisa.
“Acreditamos que os indivíduos com hipertensão apenas no consultório precisam ser monitorados de perto, para acompanhar se há uma transição entre o quadro de hipertensão de casa e do consultório”, afirma ela.
Há alternativas que podem ajudar no diagnóstico. Os médicos da Universidade da Pensilvânia, por exemplo, sugerem equipamentos de monitoração domiciliar e mesmo dispositivos portáteis que registram leituras automáticas ao longo de 24 horas – podendo, assim, comparar as variações em função do ambiente.
No estudo, Cohen aponta que uma das causas para a dificuldade de tais protocolos é que há ainda um ceticismo sobre a importância da síndrome do jaleco branco. A médica analisou 27 estudos anteriores, compilando dados de 60 mil pacientes, para chegar a suas conclusões. “Está clara a necessidade premente de aumentar o monitoramento da pressão arterial fora dos consultórios. Isso é fundamental para o diagnóstico da hipertensão”, conclui a médica.
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Destaques Psicologias do Brasil. Com informações de: BBC.
Imagem destacada:Reprodução/ Ala Norte Noticias.
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