A relação adolescência e liberdade é um tema pouco abordado com a profundidade que merece. Pais, educadores e terapeutas de adolescentes o temem. Sendo a adolescência uma travessia para o mundo dos adultos, podemos nos perguntar até que ponto alguém responsável pelo cuidado e pela educação do adolescente deve reconhecer e permitir o uso da liberdade inerente ao humano adolescente. Até que ponto ele é livre? Mais ainda: até que ponto nós, adultos, somos livres para ensinar o jovem a usar com responsabilidade seu livre arbítrio?
Quem é livre precisa decidir o que fazer da sua liberdade. Como usá-la. De que modo escolher entre isso ou aquilo. Quais consequências vêm junto com a decisão tomada. O comportamento adequado. Ou a transgressão. A liberdade é uma espécie de autonomia e poder. No senso comum, a pessoa livre é aquela que pode fazer o que quiser. Para a filosofia existencialista, o próprio homem é alguém condenado à liberdade: não há como ser neutro; não há como não escolher. Não decidir. Não agir.
A Psicanálise vai nos lembrar que nossa liberdade é limitada. Antes de tudo, pelo fato de sermos seres divididos. Há um estranho próximo – o inconsciente – que nos move em todas as nossas decisões e ações, muitas vezes, à nossa revelia. Todos falam e pregam sobre a liberdade: políticos tiranos e corruptos; pais e professores autoritários; patrões e empregados; adultos, adolescentes e crianças. Parafraseando o poeta, que me perdoem os escravizados, mas liberdade é fundamental.
Ao longo da História, muitos personagens têm lutado por mais liberdade. Há mártires. A cultura é permeada por sua exaltação: poemas; romances; músicas; danças; pinturas e toda a arte contemporânea, especialmente a arte do pós guerra. Os movimentos das minorias podem ser resumidos nisso: a busca pela liberdade de existir. Como seres falantes, precisamos de liberdade para nos expressar; para ir e vir; para tomar posições políticas ou existenciais; para formar associações; para se relacionar com o outro e com o Transcendente.
Apesar disso, somos castrados. Não podemos tudo. Não podemos alcançar a plenitude que procuramos. Não somos completos e nunca seremos completados por alguém ou por alguma coisa. Por sermos inconscientes, em grande parte do nosso tempo, muitas vezes, somos manipulados pelos outros e por nós mesmos. A ansiedade surgida no adolescente por suas mudanças físicas e psíquicas atrapalham o próprio sujeito. E também o adulto cuidador. O adulto geralmente não sabe como agir com o adolescente por ser ele mesmo incapaz de lidar com suas pulsões e suas angústias. Em outras palavras: por não ser interiormente livre.
O adolescente tende a rivalizar com o adulto por sentir-se insuficiente diante deste. O adulto imaturo responde a esta rivalidade “natural” com autoritarismo; leis absurdas; regras exageradas. Ou, ainda pior, com permissividade; descontrole; irresponsabilidade. Só o adulto centrado permite que o adolescente entre em competição com ele sem aniquilá-lo ou aniquilar-se (com algum comportamento autodestrutivo; o uso de entorpecentes, por exemplo). O adulto deve permitir que o adolescente aprenda a expressar seus sentimentos ambíguos e seus desejos desconcertantes. Deve facilitar que o jovem torne-se sujeito desejante, autônomo e livre.
É normal que o adolescente, ainda seguindo seus impulsos infantis, queira adaptar o mundo ao redor às suas demandas. Se o adulto compreender o anseio adolescente por liberdade maior – manifestada no desejo de reformas estruturais da sociedade e da família – o jovem conseguirá atingir a fase adulta com tranquilidade suficiente, porque o adolescente que se sente compreendido aprende a usar sua liberdade com responsabilidade. Aprende a cuidar de si e do outro. Aprende que as normas existem para que a convivência humana seja possível. E que, se há leis injustas, podemos de maneira justa e democrática lutar contra elas.
Pais, educadores e terapeutas de adolescentes podem e devem estabelecer regras e limites claros. Os jovens o desejam. Submetem-se. Quando a submissão não acontece, na maioria das vezes, é porque as regras e os limites não são devidamente explicados e/ou vividos pelos adultos. É a velha história: faça porque é assim que eu quero. Ou faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço. Se o adulto submete o adolescente aos seus caprichos irracionais, o jovem se rebelará.
A lei existe para o bem da pessoa. Pais cuidam e limitam porque devem amar seus filhos e desejá-los no mundo. Professores pedem silêncio, realização de tarefas e ordem na sala de aula para que o adolescente cresça intelectualmente e como cidadão. Terapeutas limitam o setting analítico para que o adolescente aprenda a lidar com a (própria) realidade.
Para a Filosofia, e nisso a Psicanálise concorda, a maior liberdade é ser capaz de governar a si mesmo. No sentindo psicanalítico, o governo de si mesmo implica em sustentar-se como sujeito desejante. Sustentar o seu desejo. Realizar o seu inconsciente. Ressignificar sua história e transitar livremente no mundo do trabalho e nos afetos e relações interpessoais. O adulto que atingiu essa maturidade consegue transmiti-la ao adolescente. O jovem compreenderá que nem tudo convém.
Que vivemos em sociedade e devemos nos respeitar uns aos outros, especialmente respeitar as pessoas menos favorecidas ou mais sofridas por sua diversidade. A pessoa livre, adulto ou adolescente, é capaz de alteridade. De empatia. Solidariedade e prática da justiça. Capaz de conter-se e de não se deixar dominar pelo que estraga a vida. A sua própria e a do outro. Utopia? Pode ser. Mas por que não buscá-la?