Por Mariana Moro na Revista Subjetiva
Rapaz, vou te contar uma coisa: a minha cabeça é toda fodida. Minha nêmesis, minha sombra, meu inimigo mortal. Às vezes eu acho que é a rotina penosa, às vezes acho que é o espelho, mas não — é a minha cabeça, e o que ela faz deles. Tô te contando isso porque, sei lá, acho que você entenderia. Ou pelo menos tentaria entender. Tem muita gente fodida por aí.
Quando eu tinha sete anos, meus pais ouviram de minha primeira psicóloga que eu era “precoce”. Sabe? Madura demais para a minha idade. Uma expressão simpática para resumir uma verdade crua: eu simplesmente não me encaixava e ponto. Desde então, nada mudou — só o nome e o endereço dos terapeutas que me disseram a mesma coisa. Uma porrada de gente pra validar isso. Deve ser verdade então, não é mesmo?
Só pela metade. A verdade é que, além de precoce, fui bulímica, paranoica e até um pouco hipocondríaca; hoje em dia, a bola da vez é a ansiedade, que me ataca na escada rolante do metrô, nas tardes de trabalho, na cama às duas da manhã. E junto com ela anda a famosa falta de amor próprio, que não dá as caras com tanta frequência quanto antes, mas ainda me espia por trás de meus ombros toda vez que dou de cara com um espelho.
Ok. Isso é só pra te assustar com uma pancada certeira logo de cara; o que eu queria contar mesmo é que eu tive uma semana horrível. E minhas caras companheiras não me deram folga. Teve dia que acordei chorando, teve dia que já acordei ansiosa e hiperventilando.
Teve dia que pensei em ficar em casa. Teve dia que pensei em cobrir com fita isolante todos os espelhos de casa. Teve dia que pensei em bater com a cabeça no espelho e ver se conseguia matar dois coelhos com uma cajadada só. Teve dia que subi na balança e entrei em pânico com os números ali gravados e bam, tinha catorze anos e um distúrbio alimentar de novo. Teve dia que cancelei compromissos com amigos porque sabia que algum deles, não propositalmente, me faria sentir inferior.
(Se minhas contas estão certas, já até enumerei mais coisas que pensei do que dias da semana.)
Esse lance de auto estima é uma merda. A gente se compara o tempo todo com quem está ao nosso redor. E olha no espelho de propósito, pra procurar defeitos e enfiar o dedo na ferida. Parece que, de repente, tudo é ridiculamente insuficiente — a voz, os trejeitos, a postura, o sorriso, o cabelo, o salário (talvez esse seja mesmo). Aí a gente começa a ficar angustiado e precisa de um tempo sozinho, mas não conseguimos estar em nossa própria companhia. Então a gente faz o quê? (Eu não tenho uma resposta pra isso. Foi mal.)
Mas não deveria ser assim. A verdade é que ficar em paz com a gente é o maior desafio que precisamos superar nessa existência. E eu não conheço uma alma viva que tenha completado essa tarefa! A gente vai se apoiando em relacionamentos medíocres para não ficarmos sozinhos, vai se apoiando em coisas que consumimos para nos sentirmos completos, vai se apoiando em pessoas para nos validarmos enquanto uma.
Você conhece alguém que não atenda a pelo menos um desses requisitos? Se souber de alguém, me apresenta — quero pagar uma breja pra esse ser sobrenatural.
Hoje acordei querendo abraçar o desafio. De me tornar esse ser sobrenatural, digo. Eu já tive dias bons; porra, sempre tenho! Você também. Mas, na maré ruim, só sabemos sentir o gosto salgado do mar de angústia. Todos os outros — esquecidos imediatamente. Não é de propósito, não, eu sei. Já disse, né? Cabeça.
Mas hoje cansei do salgado; hoje, quis um sabor diferente. Não coloquei despertador pra levantar — resolvi apenas ouvir meu próprio relógio tocar quando quisesse. Bati de frente com o espelho. Olhei sim, e continuei olhando para o meu próprio reflexo, sorrindo para ele, até que ele sorriu de volta. Meio desconfiado, relutantemente, mas sorriu. É um bom começo, pensei. E decidi: hoje, não olho mais para você, enquanto não tiver algo bom o suficiente para me dizer.
Liguei o som no último volume nas músicas que não falham em me energizar por todos os poros. First I’m gonna make it, then I’m gonna break it till it falls apart. Resolvi fazer um almoço diferente para mim e botei a cozinha abaixo durante o processo.
Os Ramones vibravam na caixinha de som enquanto colocava tudo no lugar — mal percebi que, enquanto organizava minha bagunça de fora, a de dentro foi se empilhando ordenadamente dentro de mim. De repente, senti esse impulso maravilhoso de escrever, palavras desordenadas que precisavam ser ditas, precisavam ser traduzidas; um impulso que eu não senti a semana toda.
É. Acho que, hoje, quem venceu fui eu.
A verdade é que toda batalha que travamos com nós mesmos só começa a chegar ao fim quando paramos para ouvir o que vem lá de dentro. Às vezes, são grandes silêncios; em outras, a alma está se estrangulando de tanto gritar e nem ouvimos.
Parar para escutar nossa voz é o maior gesto de amor que podemos dar a nós mesmos — e respeitar o que está sendo pedido. Acolher a vontade de passar um dia a sós. Acolher também a vontade de encher a cara e dançar até sair carregada da festa. Acolher a vontade de cortar relações que nutrimos por serem tóxicas, em puro masoquismo. Tá tudo bem — te juro! Relação (qualquer uma) tem que ser gostosa, tem que fazer sorrir.
Acima de tudo: acolher também as inseguranças, com mais gentileza ainda, e envolvê-las em tudo que já aprendemos a gostar em nós. Envolver em nossas curvas, ossos, sardas, nos nossos cabelos bagunçados, em nossas conquistas, sonhos, ideias, desejos, memórias. Tem tanta coisa linda aqui — e aí — dentro! Olha, vou te falar: a gente até cai pra trás.
Uma pena que eu não possa estar aí pra segurar sua mão enquanto tô contando tudo isso. Se você é como eu, não pode ler um texto inspiracional que já sai chorando pelos cantos. Espero que não seja.
Ou não. Quer saber? Espero que seja sim. Porque, apesar de todos os pesares, eu teimo em ficar de pé. Eu teimo em aceitar o desafio (em alguns dias, menos do que em outros), eu teimo em acreditar que vai ficar tudo bem. Porque vai mesmo — mesmo que não o tempo todo.
E também porque hoje eu acordei um pouco mais sobrenatural do que ontem. Espero que você também.
Um thriller instigante e explicitamente sensual na Netflix para maratonar quando a correria do dia…
“Os médicos nos garantiram que eram apenas dores de crescimento, então acreditamos neles.", disse o…
Esta série que acumula mais de 30 indicações em premiações como Emmy e Globo de…
Vencedor do Grande Prêmio na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 e um…
É impossível resistir aos encantos dessa série quentíssima que não pára de atrair novos espectadores…
A influenciadora digital Beandri Booysen, conhecida por sua coragem e dedicação à conscientização sobre a…