Valente: A Redenção da Cumplicidade e a Personificação da Bravura Feminina

Merida é uma princesa, porém não quer encontrar um príncipe nem se casar, gosta de cavalgar, arco e flecha e deseja ardentemente a liberdade. Entretanto, na tentativa de mudar seu destino as coisas se complicam e ela inicia uma jornada que transformará sua vida. Merida é a personagem contemporânea que representa a valentia feminina e sua história é também um conto do resgate da união entre mãe e filha.

Valente é um conto de fadas com uma princesa um tanto diferente. Na história, Merida é criada e instruída pela mãe (Elinor) para se tornar uma legítima jovem da realeza, entretanto, a menina possui um anseio pela liberdade e não aceita as condições e regras impostas por sua mãe. Com isso, diante de uma competição com os pretendentes, vendo que o casamento realmente possa ocorrer, a jovem destemida acaba dando a Elinor um doce enfeitiçado, que inesperadamente transforma sua mãe em ursa.  Contudo, a jornada de ambas para a volta física de Elinor e a corrida contra o casamento de Merida se tornam uma forma de redenção da cumplicidade de ambas.

Merida é uma jovem valente que não quer se casar, nem mesmo gosta de ser uma princesa, pois isso lhe traz muitos deveres e imposições. Seus fios ruivos, cacheados e soltos, representam uma personalidade indomável que desafia a tradição, sem grandes temores. Quando pequena, Merida ganha de presente de seu pai um conjunto de arco e flecha, que simbolizam, de certo modo, a intuição e o foco. Também, paradoxalmente, a flecha é o instrumento utilizado pelo Cupido, que provoca o amor, que, no caso de Merida, pode ser entendido como uma paixão pela liberdade e por independência.

O pai da princesa, o Rei Fergus, por sua vez é um homem forte e robusto, que apesar do seu porte físico e sua posição, não consegue tomar decisões e nem governar sozinho, precisando sempre do auxílio e da firmeza da rainha. Percebe-se que Merida herdou dele alguns aspectos, como o vigor e a impulsividade, porém eles são duas pessoas bem diferentes, Fergus evidencia a potência externa humana, de resoluções práticas e físicas, já Merida possui ideias e vontades próprias, sendo capaz de executar seus planos sozinha. Os três irmãos mais novos da jovem se assemelham a ela, são sagazes, engenhosos, pequenos e cheios de energia, possuem a capacidade de ajudar a irmã e a mãe rainha em muitas situações.

Elinor representa uma mulher de autoridade, ela domina a filha, é exigente para que a princesa tenha bons modos e postura digna de nobreza. Porém, ao comer o doce enfeitiçado, a rainha se transforma em ursa. Merida, na verdade foi atrás de uma poção mágica capaz de transformar seu destino, entretanto, a mudança acaba sendo mais drástica do que o previsto, ocasionando assim, uma corrida para reverter encanto. Logo no ínicio em que Elinor se transforma em ursa, é possível observar que ela não deixa sua coroa de lado e em muitos momentos assume a postura erétil, da forma humana, demonstrando sua inadequação àquele corpo.

A transformação de Elinor em ursa não é algo ao acaso, pois esse animal simboliza, para alguns povos, a valentia, como também a volta ao próprio interior, sendo capaz de se recompor após um longo período de hibernação, por exemplo. Elinor nesta forma, rende-se ao selvagem, chegando a pescar e até mesmo a lutar com outro urso (Mor’du), que quase ataca ferozmente Merida.

O interessante no filme é que a relação entre mãe e filha é restabelecida através do feitiço, que aparentemente ruim e venenoso se torna a grande solução e cura do relacionamento entre ambas. Mesmo não havendo um efetivo entendimento do que Elinor gostaria de dizer e fazer, as duas estabelecem um vínculo legítimo, diante das dificuldades da rainha, a princesa ajuda sua mãe, o que fez com que Elinor passasse a enxergar Merida sem superficialidades.

É notável também que na história não há vilões, a bruxa feiticeira era uma velha sábia, que apesar de desajeitada, dá uma fórmula para reverter toda a magia, dizendo uma frase: “Sina alterada, olhe sua alma. Remende a união por orgulho separada”, Merida então consegue entender o recado e vai atrás reparar esta relação, que simbolicamente é vista por meio da costura do tapete. A cumplicidade é resgatada, não por um príncipe encantado, mas pelo amor verdadeiro de uma filha e sua mãe. Demonstrando que a mulher possui forças próprias e da mesma forma, precisa encontrar verdadeiramente dentro de si, a potência para transformar seu destino, sua história, sua vida.

Ligia Maria de Araujo Santos

Estudante de psicologia, ama escrever e adora boas rimas. Gosta de passar o tempo ouvindo boas composições musicais capazes de tocar a alma. Gosta de observar e ouvir boas histórias. Tem fé em Deus, na vida, nas pessoas e no futuro. Escreve para o site colaborativo Obvious.

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