Por Claúdia Pinto
É uma espécie de «tremor de terra de ansiedade». Surge habitualmente de um ou vários episódios de ataques de pânico e transforma-se no medo de viver o dia-a-dia. Quem sofre deste problema tem tanto medo de morrer que se esquece de viver.
Já imaginou estar bem, em casa, a ver televisão e começar a sentir falta de ar ou o coração a palpitar? Ou no cinema a ver o filme que tanto queria ver e, de repente, suores frios, sensação de vertigem e um medo irracional de enlouquecer ou de morrer? O cenário não é animador, mas estes são alguns dos muitos sintomas de quem sofre de ataques de pânico.
O ataque de pânico pode surgir de forma isolada, de vez em quando, mas o problema agrava-se quando a pessoa passa a sentir medo de voltar a ter um episódio. É o «medo de ter medo» na sua maior expressão. «Costumo dizer que o ataque de pânico é um “tremor de terra da ansiedade”, ou seja, um surto agudo de ansiedade que tem caraterísticas físicas», explica Vítor Cotovio, psiquiatra e psicoterapeuta.
Este «tremor de terra» surge de forma repentina, sem avisar, tendo um caráter inesperado e abruto. Muitas vezes, quem o sofre não consegue perceber o que o provocou. Mas o desconforto é tão grande que pode instalar-se o medo de voltar a sentir tudo. «Quando o ataque de pânico tem causas psicológicas, estas estão normalmente ligadas a situações de perda, real ou simbólica, recente ou passada, que a pessoa não integrou bem (por exemplo, a perda de alguém querido ou do emprego)», explica o especialista. Se a pessoa tem uma suscetibilidade ansiosa pode desencadear uma resposta por ter ficado privada de algum referencial na sua vida. «Muitas vezes, a pessoa não consegue fazer a associação com a situação [que levou ao ataque de pânico] porque até já a esqueceu, surgindo então uma espécie de “ressaca” diluída no tempo.»
Um dos problemas dos ataques de pânico é que «replicam» muitos sintomas físicos, e quem os sofre, muitas vezes, passa por diversos especialistas antes de chegar à saúde mental, à psiquiatria ou à psicologia, o que dificulta o diagnóstico. No tremor de terra contínuo de sensações, o que treme é o corpo, e é isso que leva as pessoas ao cardiologista, ao neurologista ou a qualquer outro especialista de saúde. O quadro mais típico de um ataque de pânico «é a angústia e o sentimento eminente de perda de controlo: sentir que vai morrer, achar que vai ter um enfarte de miocárdio ou um AVC ou que vai enlouquecer». Os sintomas são diversos e podem incluir «tonturas, suores, batimentos cardíacos acelerados, palpitações, tremores, náuseas e mal-estar abdominal, formigueiros nos braços, sensações de calor e de frio, sensações de despersonalização/desrealização, como se não estivesse em si, ou ali, vertigens, sensação de cabeça vazia e de desmaio».
A sensação de angústia é enorme, ainda que nem todos os que estão à sua volta a entendam, e o medo de tornar a ter um ataque de pânico faz que as pessoas passem a viver numa ansiedade antecipatória permanente. «O nível de ansiedade sobe, seja numa fila de supermercado, no trânsito, numa sala de cinema ou em qualquer outro sítio», explica Vítor Cotovio. Este medo tem consequências a partir do momento em que provoca «evitações, fuga, imobilidade, defesa agressiva ou submissão», respostas possíveis a qualquer estímulo entendido como ameaçador, diz o psicólogo clínico Américo Baptista.
Ser refém do medo
«O ataque de pânico pode ter esta panóplia de sintomas e tem uma evolução em minutos, diminuindo em pouco tempo, mas, no momento do ataque, a aflição é enorme e dá a sensação que não termina e que a pessoa vai morrer ali mesmo», diz Vítor Cotovio. Passado algum tempo, pode surgir a perturbação de pânico caraterizada por ataques de pânico frequentes e por comportamentos que levam a que a pessoa fique refém do seu medo, condicionando a vida para evitar situações do dia-a-dia que entende como ameaçadoras, por exemplo, evitar fazer exercício físico porque o coração começa a bater mais depressa. «A pessoa começa a ter uma funcionalidade desadaptativa, começando a ser “refém” de uma incapacidade social, profissional, ou escolar, se for mais jovem. E essa disfuncionalidade acaba por condicionar imenso a vida», diz Cotovio.
As perturbações psiquiátricas mais frequentes na população portuguesa são «a ansiedade, atingindo 16,5 por cento, e a depressão, que atinge 7,9 por cento dos portugueses. Isto significa que um quinto da população portuguesa sofre de uma perturbação mental», segundo o relatório «Portugal – Saúde mental em números 2014», do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde.
Vítor Cotovio recebe muitos pacientes no seu consultório com queixas de ataques de pânico e de medo de voltar a ter uma crise, existindo quem passe muitos anos em profundo sofrimento sem procurar ajuda especializada. «Apesar de tudo, existe hoje uma maior sensibilidade, sobretudo por parte dos médicos de medicina geral e familiar, e também uma maior capacidade para ser feito um diagnóstico diferencial.»
As mulheres assumem as queixas mais facilmente do que os homens, que entendem este problema como uma fraqueza. «Ao não partilharem, ao encobrirem ou camuflarem, estão a permitir que o problema cresça, adiam o tratamento, e é conveniente que o mesmo seja iniciado o mais precocemente possível.»
Não antecipar e não adiar
Parece um contrassenso, mas é fundamental aprender a não viver em ansiedade de antecipação, por um lado, e a não adiar a procura de ajuda, por outro. O tratamento para estas situações passa por duas vertentes: a medicação para diminuir a ansiedade e a abordagem psicoterapêutica. «Defendo sempre as estratégias complementares de tratamento, pois se apenas receitarmos um ansiolítico corremos o risco de deixar o paciente completamente dependente da medicação», diz o psiquiatra Vítor Cotovio.
Além da história clínica, o psicólogo ou o psiquiatra vai tentar perceber as dimensões biológica e psicológica dos ataques de pânico. «A maior parte das situações são combinadas, ou seja, há uma suscetibilidade biológica maior para este tipo de ansiedade, existindo também alguns fatores psicogénicos ou emocionais que podem funcionar como precipitantes. Por isso, não se deve cair na tentação de basear exclusivamente o tratamento na medicação, nomeadamente, nos ansiolíticos, pois a pessoa vai começar a precisar sempre daquela «bengala».
Há que intervir psicoterapeuticamente nos ataques de pânico, gerindo os aspetos psicológicos e os medos, além de que se deve trabalhar o incentivo de ir aos lugares onde já se sentiu mal de forma a recuperar a segurança e a autoconfiança.
A medicação serve para que a pessoa vá «desmontando» as evitações e se afaste da zona agorafóbica. «Uma das coisas que faço em consulta é tentar perceber o que é que o paciente já começou a evitar e dentro das limitações questiono qual seria a evitação que poderia começar a contrariar, sendo menos aflitiva para si. Escolhemos então a limitação menos ameaçadora para que o paciente comece a ganhar terreno e a aumentar a autoconfiança», afirma Vítor Cotovio.
O consumo de antidepressivos por perturbações depressivo-ansiosas é na ordem dos 47 por cento, um valor superior ao verificado na União Europeia, que ronda os 41 por cento, segundo o já citado relatório.
Por outro lado, «os tratamentos cognitivo-comportamentais para as perturbações fóbicas e ansiosas são dos maiores sucessos da história da psicoterapia, comparando- se favoravelmente com qualquer outro tratamento atualmente à disposição», reforça o psicólogo clínico Américo Baptista.
Recomenda-se também a prática de exercício físico e as técnicas de relaxamento e meditação que ajudam a gerir os níveis de ansiedade. «A maior parte das vezes, a angústia é tão grande e o quadro está tão instalado que se tem de ir trabalhando concomitantemente com as várias ferramentas e os diversos recursos.»
Depois há todo um trabalho a fazer que depende de pessoa para pessoa e cuja duração de tratamento é bastante individualizada. A boa notícia é que este problema tem cura e é possível viver sem medo e sem necessidade de controlar cada passo que dá. A procura de ajuda e a integração terapêutica são muito importantes para que a pessoa se afaste do tal medo de ter medo. Mas para isso não vale a pena adiar o momento de ir ao especialista adequado.
«Se se atrasa a procura de ajuda, os ataques de pânico podem tornar-se recorrentes, repetitivos e tornar a vida disfuncional. Depois, há pessoas que se fecham em casa porque não arriscam e têm um enorme medo de se sentir mal», alerta Vítor Cotovio. A disfuncionalidade da vida é recorrente, mas a pior consequência é a pessoa «deixar de existir para a vida porque tem medo de morrer».
TEXTO ORIGINAL DE NOTÍCIAS MAGAZINE
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