O ator Fábio Assunção, de 48 anos, acaba de finalizar as gravações da série “Onde está meu coração” (Globoplay), em que interpreta o pai de uma médica dependente química, interpretada por Letícia Colin. O assunto abordado na série faz conexão – proposital ou não – com a própria história do ator, que é dependente químico e se viu, nos últimos tempos, envolvido em uma série de episódios desconfortáveis: memes que viralizam nas redes sociais; a divulgação de uma música, em fevereiro, fazendo piada com sua condição; e, em junho, o vazamento de um vídeo íntimo, antigo, em que o ator aparece alterado.
O ator recentemente foi entrevistado pelo jornal O Globo, e falou com extrema franqueza sobre dependência, o modo como reagiu aos episódios recentes e sua trajetória de ator. Em 2020, ele festeja 30 anos de percurso. Sobre sua reação ao convite para interpretar o pai de uma dependente química na série, Fábio contou que viu no convite uma oportunidade para discutir o assunto, “É uma série que discute a família. A dependência na família tem que ser debatida abertamente. Um dos grandes problemas da dependência é as pessoas terem vergonha de falar sobre ela, porque dificulta o processo de reequilíbrio.”
Sobre a abordagem do tema na série, ele ainda disse: Qual é a dificuldade de entender que o vício faz parte dos buracos que a gente tem na alma? O vício não é uma questão de caráter, ou de escolha. Não é você aceitar uma propina. É impulsão, compulsividade. Não tem a ver com classe social. Não está ligado a pretos e pobres, de comunidades, que são absolutamente estigmatizados. A ilegalidade das substâncias químicas é colocada como uma forma de você segregar toda uma população que é excluída do nosso sistema branco de consumo. A série vai trazer estas questões à tona. É uma hipocrisia a sociedade não falar sobre esse tema, uma vez que é uma sociedade que se medica o tempo todo, com produtos lícitos ou ilícitos.
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Fábio falou ainda sobre a própria experiência com o vício: Através do meu processo de drogadição, conheci pessoas de todos os tipos, e fui formando meu ponto de vista. A quem interessa a ilegalidade das substâncias químicas? A quem interessa a internação compulsória? A muitos setores, menos ao usuário, ao dependente. Porque se fosse uma coisa conversada, aberta e exposta, uma questão de saúde — como de fato é — essa tensão seria diluída. Mas muitas instituições ganham com o fato de ser ilegal. Também me interessei pelo tema porque, a convite do Lula, integrei uma comissão, com psiquiatras e profissionais que trabalham com gestão pública de saúde. A ideia era ter uma política para substâncias químicas renovada, com novas ideias, novas perspectivas para o Brasil. Porque uma parte do mundo parece estar trabalhando para informar, entender melhor processos como o da dependência, depressão, pânico. E a sensação que tenho é que outra parte do mundo quer voltar para trás.
Sobre o vício, Fábio conta que já superei essa questão, “…isso não faz mais parte da minha vida, graças a Deus. Quando esse processo cessou, há quatro, cinco anos, achei que o álcool, aceito socialmente, poderia ser um caminho secundário, alternativo, para poder lidar com algumas coisas sem as consequências de uma substância pesada. Mas é preciso contextualizar isso. Herdei conceitos de que a substância química tinha a ver com liberdade, com a subversão de um sistema castrador, era uma outra época.
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“Hoje tenho uma vida absolutamente normal. Posso tomar uma taça de vinho? Posso. Dois copos de cerveja? Posso. Mas, se beber mais do que isso, vai me fazer mal. E sinto que preciso falar com as pessoas sobre isso. Porque sei o quanto o silêncio dificulta ainda mais o processo de evolução de qualquer pessoa, o quanto o silêncio afunda mais as pessoas nos seus medos e depressões. É o princípio do AA, a roda de partilha, onde as pessoas se igualam e partilham suas vivências. Para sair desse lugar de silêncio, de vergonha, e entrar em outro, de escuta, em que a sociedade tenha compreensão sobre esse tema.”, completou o ator.
A série “Onde está meu coração” ainda não tem previsão de estreia no Globoplay.
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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de O Globo.
Foto destacada: Leo Aversa / Agência O GLobo.