Por Natthalia Paccola
A conexão da pele e do psiquismo é um dos ramos da psicossomática que mais merece destaque. Tal disciplina recebe o nome de Psicodermatologia, que integra conhecimentos médicos e psicológicos no tratamento das doenças de pele. Isso vem sendo uma forte tendência, uma vez que os sintomas não podem ser entendidos de forma isolada, pois a ciência, bem como os avanços da psiconeuroimunologia, enxergam o ser humano de forma completa, através de uma interdependência mente-corpo (Ludwig et al., 2008).
Apesar disso, o tratamento das doenças de pele, especificamente do Vitiligo e da Psoríase, são difíceis, devido à cronicidade de tais enfermidades. Mesmo com décadas de pesquisa, pela indústria farmacêutica, a ciência médica não conseguiu atingir uma cura completa, pelo tratamento farmacológico. Entretanto, entender o significado do processo curativo e dos agravantes do estado físico do doente, é fundamental para que o tratamento seja bem sucedido, chegando, inclusive, à remissão total dos sintomas.
A pele é o maior órgão do corpo humano. Ela representa o nosso primeiro contato com o mundo externo, com as pessoas ao nosso redor e ambiente em que estamos (Ludwig et al., 2008), apontando uma profunda relação entre o nosso ambiente interno com o externo. As primeiras relações de toque ocorrem, principalmente, pela função materna, pela amamentação e outros cuidados que o bebê recebe.
Dessa forma, a internalização das relações com o outro, constitui a imagem corporal. Freud, inclusive, afirmou que o eu é, primeiramente, um eu corporal (1923/1976). O corpo, logo, é uma expressão dos elementos internalizados. É como um mapa, do que acontece em nosso cérebro e de que maneira as nossas conexões neuronais se organizam.
Na idade adulta temos a tendência de utilizarmos funções regressivas, quando enfrentamos algum conflito (Dias et al., 2007), ou seja, quando não conseguimos expressar ou simbolizar algum sofrimento, que são funções adquiridas no decorrer do nosso desenvolvimento, o corpo revela a repressão de alguma raiva não elaborada, desviando a atenção da nossa consciência (Sarno, 2001).
Na psicanálise, Winnicott definiu que a pele tem um papel que traz o limite entre o eu e o não-eu, deste modo, as doenças de pele podem significar um desejo regressivo aos cuidados maternos, de contato constante (Dias et al., 2007) . Em relação à sua formação, a pele tem a mesma origem embrionária que o sistema nervoso, o que possibilita compreender como o corpo pode representar os conflitos internos (Azambuja, 2000; Ballone, Netto & Ortolani, 2002).
As doenças psicossomáticas não se desenvolvem de forma exatamente linear, mecânica e previsível, uma vez que envolve a subjetividade, fatores individuais e únicos na história de vida do doente. Fatores estes que não podem ser generalizados para qualquer pessoa.
Apesar disso, há um significado simbólico em relação as doenças de pele. No caso do Vitiligo, os próprios pacientes que são acometidos pela enfermidade, costumam relatar algum evento estressante em suas vidas, em paralelo com o desenvolvimento e surgimento das manchas. O Vitiligo é a falta de pigmentação da pele, ou seja, a perda da melanina. Cientificamente, tem-se mostrado relevante os aspectos emocionais no desenvolvimento e da progressão do Vitiligo.
Recentemente com a chegada da psiconeuroimunologia, que procura estabelecer um vínculo entre a liberação de substâncias cerebrais sobre o corpo, se discute como a depressão e o pessimismo podem contribuir para que um sistema imunológico fique enfraquecido, ocasionando uma expectativa de vida menor (Steptoe & Wardle, 2011). A perda de pigmentação pode ser classificada como uma doença auto-imune. É uma espécie de autoagressão. De uma forma simbólica, pode representar a perda de alegria, pois a “cor” nos dá vida.
O estudo na área ainda é precário, porém dados iniciais têm demonstrado que pacientes que realizam trabalho psicológico, em conjunto com o médico, obtêm melhores resultados e perspectivas de tratamento (Sant Anna et al., 2003). A explicação científica reside no fato de diversos neurotransmissores, que antigamente pensava-se estarem presentes apenas no cérebro, estão em outras partes do corpo. Por exemplo o neurotransmissor alfa-MSH (melanocyte stimulating hormone), presente na pele, mas que sua produção é coordenada pelo cérebro. O alfa-MSH pode ter sensibilidade afetada pelo estresse, fazendo com que inflamações na pele fiquem fora de controle (Epel et al., 2004).
A psoríase é uma enfermidade crônica, quando ocorre uma inflamação da pele. O seu surgimento tem sido relacionado também com fatores emocionais, seja diante de uma perda ou algum evento estressante. De acordo com a abordagem psicológica, os indivíduos que possuem psoríase têm uma tendência de não manifestar as suas emoções e, diante de um estresse, a fuga e o autocontrole são as estratégias utilizadas por tais pacientes (Muller, 2005).
Raramente, todavia, os médicos indicam algum tratamento psicológico, mesmo aceitando que o estresse e a ansiedade podem agravar o quadro dessas doenças. Por esse motivo, se faz necessário que a formação acadêmica e profissional possa oferecer aspectos para além do biológico, que se referem ao nosso lado social, de contato com o mundo. Novamente, é preciso lembrar que a saúde subsiste em um tratamento multidisciplinar, e não individual.
A hipnose pode ser utilizada no tratamento das doenças de pele. O poder da autossugestão na cura de tais enfermidades é discutido há décadas. Em meados do século XX, um paciente apresentou um quadro de reversão da doença congênita Eritrodermia Ictiosiforme (Mason,1952). Outros estudos têm demonstrado que pacientes submetidos à hipnose apresentam melhoras em quadros de vitiligo, herpes e, até mesmo, acnes (Zachariae, 2001). Esse tipo de pesquisa abre espaço para o gerenciamento do estresse, que pode ser feito pelo próprio paciente, através do aprendizado e do autoconhecimento, bem como a capacidade do seu organismo em reverter quadros rotulados como incuráveis e crônicos, quando, na verdade, a cronicidade está no comportamento do homem, seja ele visível ou encoberto.
COHEN, Sheldon; WILLS, Thomas A. Stress, social support, and the buffering hypothesis. Psychological bulletin, v. 98, n. 2, p. 310, 1985.
EPEL, Elissa S. et al. Accelerated telomere shortening in response to life stress. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 101, n. 49, p. 17312-17315, 2004. [Link]
Mason, A. A.; Case of Congenital Ichthyosiform Erythrodermia of Brocq treated by Hypnosis, British Medical Journal, 1952 August 23; 2(4781): 422–423. [Link]
MÜLLER, Marisa Campio. Psicossomática: uma visão simbólica do vitiligo. Vetor Editora, 2005.
SANT ANNA, Paulo Afrânio et al. A expressão de conflitos psíquicos em afecções dermatológicas: um estudo de caso de uma paciente com vitiligo atendida com o jogo de areia. Psicologia: teoria e prática, v. 5, n. 1, p. 81-96, 2003.
SARNO, John E. Healing back pain: The mind-body connection. Hachette Digital, Inc., 2001.
STEPTOE, Andrew; WARDLE, Jane. Positive affect measured using ecological momentary assessment and survival in older men and women.Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 108, n. 45, p. 18244-18248, 2011. [Link]
ZACHARIAE, R. et al. Skin reactions to histamine of healthy subjects after hypnotically induced emotions of sadness, anger, and happiness. Allergy, v. 56, n. 8, p. 734-740, 2001. [Link]
(Fonte: https://pensaralem.wordpress.com/2013/10/30/o-corpo-fala-vitiligo-psoriase-e-demais-doencas-de-pele/)
Texto original no site Natthalia Paccola
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