Por Ana Carol Muller
Na primeira vez em que fui ao ginecologista, eu tinha 12 anos. Eu não escolhi isso. Era apenas o surgimento da boa e velha lubrificação. No entanto, esse episódio natural me levou a realizar vários exames, sem maiores explicações. Não era nada demais. Eu também não fui a única do meu grupo de amigas a ter um cotonete esfregado lá em busca de uma amostra de “corrimento”. Todos os resultados foram negativos e eu segui com a minha adolescência, a não ser pelo fato de uma profissional da saúde ter tocado e olhado minha vagina antes mesmo que eu aprendesse a fazer isso.
Não quero resumir a saúde feminina apenas à saúde ginecológica, mas vamos começar assim. Quando falo da primeira vez no ginecologista, não falo da experiência com essa especialidade médica em si. Falo de algo muito mais marcante: o primeiro momento na minha vida em que aquilo que eu tenho entre as pernas desde que nasci recebeu algum tipo de atenção.
Até então, eu era uma criança e o único motivo de colocar a mão naquela-que-não-deve-ser-nomeada era minha higiene pessoal. Eu fui ao médico para “consertar” algo que eu nem sabia como funcionava e que ninguém considerou importante me ensinar. Mesmo hoje, com a compreensão – muito dolorosa, mas também muito libertadora – de onde vem essa pouca liberdade de escolha, de que meu corpo não é considerado meu, tenho me dado conta de que minhas críticas e insatisfações ainda não atingiram a minha própria saúde.
Eis como cheguei a tal conclusão: meu médico, que me atende há anos, nunca fez nada demais. Ele é simpático, não pede exames desnecessários, responde minhas dúvidas e nunca fez nenhum tipo de julgamento sobre a minha vida. E eu o acho INCRÍVEL. Quando abandonei a pílula e não ouvi nenhuma reclamação, saí por aí fazendo propaganda do melhor médico do mundo. Tudo porque ele me deixou minimamente tomar uma decisão sobre meu próprio corpo. Mais uma vez a gente se pega valorizando um cara, profissional da saúde, que “nossa, até deixa a paciente ver o colo do útero!”
Então, qual é a diferença? Por que um homem que lava a própria louça não está fazendo mais do que sua obrigação, mas um profissional de saúde fazendo um bom trabalho com sua paciente é raridade? Eu leio sobre o assunto e converso com gente que não se cansa de discutir teorias de gênero, divisão sexual do trabalho e qualquer aspecto sociológico da posição da mulher nas relações. Porém, ninguém conversa sobre bucetas, sobre seu funcionamento e muito menos sobre o fato de nenhuma ser igual a outra (e tudo bem!). E é o seguinte: não podemos opinar sobre o que não conhecemos.
Para estudar saúde e sua relação com o movimento feminista, não tem como não esbarrar em políticas públicas (como no Brasil, a PNAISM*, por exemplo). Uma das explicações mais interessantes e esclarecedoras está no início do movimento. Enquanto em outros países, especialmente na Europa, o feminismo surgiu nas ruas, proveniente das demandas da população, aqui ele foi direto para as mãos e para os livros das universitárias. O feminismo brasileiro acontece de cima pra baixo. Até hoje, ele ainda não chega em muitos lugares.
Numa dinâmica assim, quando falamos de auto-estima e de saúde, é preciso um longo caminho. Não é fácil, para uma mulher que cresceu ouvindo o famoso “tira a mão daí!”, compreender a importância desse autoconhecimento. A importância de se tocar e de olhar todas as partes de si mesma sem nojo. Mais difícil ainda é entender que tanta teoria é só uma parte do que somos. Que vamos além da biologia, de um útero existente apenas para reprodução e um par de seios que, se não estão amamentando, estão atraindo o sexo oposto para chegarmos a isso. O clitóris, então, mais parece um acidente anatômico.
Precisamos ser protagonistas da nossa saúde
Se é meu corpo, minha vida, minha história, então por que eu não sou protagonista dela? Por que eu não tomo as decisões finais? A quem interessa que eu não receba diversas informações necessárias sobre meu próprio corpo?
“Ir além da biologia” não é apenas como uma análise profunda do feminino, da construção do gênero. Isso significa também que nenhuma mulher pode procurar um serviço de saúde, levando consigo mesma toda uma história, e receber um atendimento genérico baseado em livros de anatomia e aulas sobre sistema reprodutor. Enquanto isso continuar acontecendo, a saúde da mulher não poderá pertencer as mulheres. Enquanto o saber médico continuar como a única solução válida para nossas questões, nós seremos mantidas numa posição submissa e passiva. Isso porque um conhecimento restrito também é um poder.
Apesar de tudo, não há culpados. Não podemos culpar os livros e os professores pessoalmente por um sistema falho, com uma educação sexual cheia de tabus. Muito menos as mulheres adultas que participaram de nossa infância e tiveram um contato ainda mais conservador com esses temas. Se eu estudo, se entendo a importância de tudo isso e se escrevo aqui, é porque sou privilegiada. E isso não significa nada sem conversar com outras minas. A reapropriação do conhecimento sobre nossos corpos e nossa saúde, como tantas outras questões que envolvem o feminismo e a vida das mulheres, é uma luta política.
*Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher, 2004
TEXTO ORIGINAL DE LADO M
Por que temos tanta dificuldade em nos livrar de roupas que não usamos? Segundo especialistas,…
Segundo a mãe, a ação judicial foi a única forma de estimular a filha a…
Uma pequena joia do cinema que encanta os olhos e aquece os corações.
Uma história emocionante sobre família, sobrevivência e os laços inesperados que podem transformar vidas.
Você ama comprar roupas, mas precisa ter um controle melhor sobre as suas aquisições? Veja…
Qualquer um que tenha visto esta minissérie profundamente tocante da Netflix vai concordar que esta…