Ao ler essa pergunta, naturalmente, você responderá: “Claro que sim! Afinal, eu sei quem eu sou, a minha profissão, o nome de meus familiares. Eu ando, me alimento, me comunico com outras pessoas. As pessoas me cumprimentam quando me encontram (pelo menos algumas)”.

Mas será que existir se resume a isso? Ter um nome, desempenhar uma função social, fazer parte de uma família, ser visto pelas pessoas na rua?

Hoje falaremos de existir não no sentido de que uma geladeira existe e um dragão não existe. Falaremos de um “existir” que só é dado aos humanos, ou melhor, só é dado a quem tem acesso a amar, perceber a presença real de outra pessoa, ter projetos, ser afetado em seu corpo e em sua alma pelo que acontece com outras pessoas à sua volta… ter um corpo que o encarna e não um objeto, como uma bengala. Existir, com E maiúscula.

Existir vem do latim “EX-ESTERE”, ir além de ser um “isso”. Como assim? Um “isso” é algo com que nos deparamos em nosso caminho: uma pedra, um carro, uma explosão nuclear. Quando falo “isto”, falo de uma perspectiva externa: não espero que “isso” me escute, converse comigo, sinta algo em relação a mim, tenha sentimentos, mude com minha presença. O que poderíamos simplificar com a palavra “coisa”.

Pois bem, fica evidente desde já que muitas pessoas tratam as outras como coisas: não respeitam seus sentimentos, dispõem das outras como se elas estivessem aí, à mão, como um tijolo para ser usado sem nenhuma preocupação em relação aos efeitos emocionais que podem sofrer com esse tipo de “uso“. Ou, também bastante comum (infelizmente), é considerar as outras pessoas apenas como uma função. Por exemplo: este “isso” limpa minha casa, esse “isso” serve para minha satisfação sexual, esse outro “isso” ali serve para eu não me sentir sozinho, aquele “isso” serve para votar em mim e garantir minha posição política, e aquele outro “isso” ainda serve para eu lhe consertar e receber o pagamento por isso.

Bem, uma coisa é sermos tratados como um “isso”, ou seja não como seres humanos inteiros, existindo entre os demais. Outra coisa, e talvez até mais alarmante, é o próprio sujeito tratar a si mesmo como um “isso”, ou viver como se fosse uma “coisa” (e não alguém).

Como perceber se estamos existindo ou apenas passando pela vida como se fossemos uma “coisa”, um paralelepípedo, por exemplo?

Vamos pensar juntos. Agora, daí aonde você está: você é alguém que possui projetos, percebe o ambiente e respira conscientemente, ou é apenas uma função? A moça que dá sempre a mesma informação no balcão? O empregado que dirige com pressa para rapidamente voltar a realizar a função que garante seu salário? A mulher que finge o orgasmo para assegurar o funcionamento da unidade familiar? Aquele que não falta às festas familiares para cumprir a função de manter boas relações com os familiares (afinal, pode precisar da função deles no dia de amanhã…)?

Quem é o “eu” por trás da execução automática da sua função…?

Se você leu até aqui, inquietou-se de alguma forma com a leitura, e a está digerindo gostosamente como um bom nhoque… bem-vindo ao mundo, bem-vindo ao caminho do Existir… boa sorte!

 

Sugestões de temas, dúvidas sobre algum conceito de nossos artigos? Participe da nossa coluna “Pergunte ao Psiquiatra”! Envie um e-mail para: mauricio.psicologiasdobrasil@gmail.com, que nosso colunista Dr. Maurício Silveira Garrote terá o prazer de respondê-lo!

Maurício Silveira Garrote

Médico especialista em Psiquiatria Clínica pelo HC FMUSP (1985) e Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, com a tese "De Pompéia aos Sertões de Rosa: um percurso ao longo da Clínica Psicanalítica de pacientes com diagnóstico de Esquizofrenia" (1999).

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