Você pode estar diante de uma pessoa muito perspicaz, habilidosa em artimanhas, a lhe contar uma tremenda mentira, e você acreditando; por outro lado, você pode estar diante de uma pessoa tímida, nervosa e insegura contando-lhe um fato que em nada lhe parece verdadeiro, mas serem revelações verdadeiras. Estudos mostram que nossas chances de pegar um mentiroso no flagra são relativamente baixas.

Um leigo pode ter apenas 50% de chance de identificar um mentiroso por sua postura. Especialistas em torno de 65% ou um pouco mais.

A timidez, ansiedade e nervosismo confundem quem tenta decifrar, e o medo pode levar a um clássico engano, imortalizado na obra de Shakespeare pela tragédia de Otelo. Paulo Sergio de Camargo, autor do livro “Não minta para mim: psicologia da mentira e linguagem corporal”. Cunhou o termo “ erro de Otelo”, uma referência ao personagem central que via traição nos olhos de sua esposa, de forma totalmente equivocada. Culminando em injustiça terrível contra ela.

Muitas vezes, nossos sentidos nos avisam de que estamos sendo enganados, mas não sabemos como e ao tentar imaginar incorrer em equívocos grosseiros. Assim, muita calma nessa hora.

Diferentemente de nos relacionarmos com algumas pessoas portadoras de determinados transtornos, onde a mentira toma contornos com a própria doença. Exemplo: pacientes que consomem alguma substancia que cause dependência química, drogas lícitas e ilícitas, e/ ou jogadores patológicos (carteado, apostadores em jogos de azar, etc.…). Dados apontam que 92% destes indivíduos mentem como forma de manutenção já escravizados pelo vício.

Já ouvi de um dos cônjuges que preferiria se separar ao tomar conhecimento da traição. Perdoar, estaria além de suas forças. Mas, muitos apesar da mágoa reconciliam-se diante de uma atitude honesta de seu parceiro. Contudo, o risco é sempre iminente no sentido do rompimento da relação.

 

Nas palavras do poeta, o mentiroso é um “ fingidor”, contudo, finge mais para si que para o outro. A mentira exige assunção de uma personalidade que não lhe é própria. E o contraste risco da exposição ao ser descoberto. A capa exterior falsa, a iminência da descoberta, o “ pseudo prazer” ao proibido.

Pessoas que mentem compulsivamente podem ser portadoras de um transtorno de personalidade grave, conhecido como pseudologia fantástica, ou seja, cria um personagem apenas para ser admirado, amado e aceito pelas demais pessoas por quem nutre interesse, fingindo ser o que não é.

Aqui no Brasil a doença também é conhecida por mitomania, um impulso mórbido para a mentira. Embora no filme “O mentiroso” (produção datada de 1997) retrate a patologia de forma cômica, entretanto, o problema não é engraçado. Pode trazer sérias consequências tanto para o doente quanto para as pessoas de seu convívio. Como foi o caso da jornalista que apontou falsamente o assessor de assédio sexual.

Outra situação clínica diferenciada, mas que envolve o quadro de mentiras patológicas, é causada por uso contínuo de bebidas alcoólicas, com prejuízo na memória de fixação para fatos novos e, por isso, confabulam. Na demência, não se lembram da refeição, mas descrevem-na misturando recordações do passado longínquo com imagens vistas em filmes ou livros, relatadas de forma automática, com uma certa alegria e sem crítica a despeito da dificuldade de memória.

Um caso absolutamente grave, é protagonizada pela psicopatia. A mentira é sua ferramenta, habilmente utilizada, e torna-se difícil detectá-la. Diz o que convém e o que se espera para se safar de alguma consequência. Mente convincentemente com a palavra e com o corpo, simula e teatraliza situações vantajosas para si. Se precisar pode mostrar-se arrependido, ofendido, magoado, simulando inclusive tentativas de suicídio, para provocar comoção para conseguir o que deseja.

 

Para os analistas do comportamento, falar a verdade ou contar uma mentira, são comportamentos verbais aprendidos e assim são mantidos pelas consequências que produzem. Quando alguém é beneficiado por contar uma mentira, tende a repetir a frequência deste comportamento por ver nele alguma “vantagem”. Mentir pode afastar ou adiar conseqüências desagradáveis, assim é repetido. Por exemplo: o marido que trai sua esposa mas insiste em dizer-lhe que não cometeu traição. Mentir pose adiar ou evitar consequências desagradáveis, ou que ele não se sente pronto para enfrentar.

Em síntese, quase todas as pessoas mentem todos os dias, ou já mentiram, por uma ou outra razão. Pequenas ou grandes mentiras , resta saber, com quais consequência. Algumas pessoas manterão este comportamento, que pode evoluir e tornar-se compulsivo, outros por não terem boas experiências com o resultado das mentiras, poderão deixar de utilizarem-se delas. Assim, é importante tentar entender: por que essa pessoa mente? Para controlar os outros? Para fugir das consequências de seus atos? Quais são os valores pessoais que ela julga proteger?

Fato é que homens e mulheres mentem por razões diferentes. Mas, é consenso que o medo mais comum seja de perder o amor de seu parceiro , o prestígio no trabalho, seu dinheiro em um negócio, manter sua auto-estima, prestigio com seus amigos e um lugar na sociedade que julga importante.

Estudiosos apontam possíveis sinais de fraude: expressões faciais, movimentos, a modulação da voz, deglutição movimentos, no fundo, ou, pelo contrário, respiração superficial, com longas pausas entre as palavras, reservas, micro expressões, gestos imprecisos etc…

Outra forma de observar o discurso para analise, é ´levar em conta que mentirosos são mais propensos a dar respostas generalizadas não envolvem algo concreto.

A terminologia “mentira” tem origem no idioma grego “pseudos” . Por ser, um termo um tanto amplo, logrou-se distinguir alguns tipos de mentiras:

– Mentiras esporádicas: São aquelas utilizadas por grande parte das pessoas de forma eventual. Seriam as meias verdades, as informações ocultadas com o propósito de não machucar alguém ou limitar informações danosas. Tidas como “ piedosas”. Ou para evitar um problema maior.

 

– Mentiras evolutivas: São atribuídas as crianças, quando começam a construção de seu potencial imaginativo. Ou quando estão misturando fantasia com situações reais. Tendem a diminuir de frequência na medida em que as crianças avançam no processo de construção mental. Aprendem a diferenciar fantasia de realidade.

 

– Mentiras egoístas: É a classe de mentira deliberada, para obtenção de benefício próprio, sem medir consequências, sem manifestar remorso, sem escrúpulos e sem arrependimentos. Esse tipo de mentira é utilizado por pessoas que engendram vinganças quando são descobertos.

 

– Mentiras repetitivas: Aqui podemos inserir o transtorno chamado mitomania. Em que a pessoa mente pelo simples prazer de mentir, ou mente sem controle sobre a necessidade de mentir. É a mentira patológica, compulsiva. Não se acham mentirosos. Constroem tantas fantasias que acreditam nelas. Não acham que exista algum problema em mentir. Podem misturar fantasias com a realidade. Este grupo de pessoas, podem inspirar cuidados, com o agravamento e perda contínua do controle e impulso de mentir.

Alguns pesquisadores, apontam a origem deste comportamento patológico como oriundo na infância. Quando a criança se utiliza do processo imaginativo para a formação de sua capacidade de compreender o mundo ao seu derredor, e obtém prazer, atenção e significado a partir dele. Mas se esta fase não for devidamente acompanhada pelos pais ou cuidadores pode acabar sendo utilizada pela criança como forma de atrair atenção e representar um problema sério. Portanto, é importante não repreender ou punir a criança, porque ela mentiu, mas explicar e ensinar a distinguir entre fantasia e realidade. Não incentivando nem alimentando este comportamento. Quando a criança é pequenina, faz parte do seu universo infantil, imaginativo. É fundamental o ambiente em que esta criança está se formando, porque se ela observar modelos próximos usando mentiras como uma maneira de evitar a responsabilidade, ou retardar problemas, é muito provável que aprenderá que é um meio útil para alcançar certas coisas, e tenderá a repetir o comportamento do adulto.

Até mesmo os próprios adultos, por vezes, envolvem as crianças em suas próprias mentiras! Ensinando-as a mascararem suas reais reações ou atitudes, tão pouco assertivas (ex. “Eu não quero beijar aquela velha senhorinha porque ela deixa baba no rosto da gente”), estão o adulto obriga-o a beijar.

Quanto aos indivíduos que recorrem a este tipo de comportamento, tendem a ter baixa autoestima. Por não se aceitar inventa coisas que não são reais, e / ou evita mostrar aos outros o que ele não gosta em si mesmo. Busca impressionar, para manter o interesse das pessoas por temer o abandono ou a rejeição. Também é possível que precisem deste recurso para o auto engrandecimento. Ou como forma de manter o controle ou aceitação das pessoas ao seu redor.

Para concluir, em que pese ser uma missão difícil descobrir um hábil mentiroso, a neurobiologia sugere que é possível sim, descobrir quando alguém está mentindo ou fazendo uso de mentiras compulsivamente. Neuropesquisadores apontam no sentido de que há mais matéria branca do que a matéria cinzenta no lobo frontal de mentirosos, mas os dados ainda não são muito conclusivos.

 

Vários dispositivos têm sido testados, o polígrafo, chegou a ser chamado de detector de mentiras. Utilizado por programas de televisão e cinema. Estudos e pesquisas surgirão como auxílio nos processos investigativos.

 

Paul Ekman criador do seriado Lie to Me, mostra o Dr. Cal Lightman (personagem também inspirado em Paul Ekman) desvendando crimes e mistérios utilizando os conhecimentos de microexpressões faciais e linguagem corporal. Segundo Ekman “… o nosso corpo não pode mentir …”.Mas, fato é que há pessoas que controlam suas emoções, dissimulam e se escondem atrás na falsa calma que dificultam a leitura das suas expressões. Ainda que possam ser identificados sinais devido às peculiaridades do sistema nervoso autônomo (SNA).

A natureza é repleta de exemplos de dissimulação como mecanismo para a sobrevivência, manutenção, perpetuação das espécies. Enquanto na natureza o engano é mecanismo estratégico instintivo de continuidade das espécies. O homem usa da racionalidade e intenção para fins de manipular ações e sentimentos para benefícios escusos.

Fontes:

http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/10-dicas-de-linguagem-corporal-para-identificar-um-mentiroso#1

http://www.cetecova.com/index.php/revista-correo-conductual-coco/36-coco-15/283-entendiendo-las-mentiras

Ekman, P. (2009). Cómo detectar mentiras: una guía para utilizar en el trabajo, la política y la pareja. Paidós Ibérica.

Paulo Sergio de Camargo, autor do livro “Não minta para mim: psicologia da mentira e linguagem corporal” (Summus Editorial, 2012).

Martínez Selva, J. M. (2005). La psicología de la mentira. Paidós.

Laila Ali Wahab Morais

Advogada, psicóloga clínica e escolar

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