COMPORTAMENTO

Você pode ser muito mais que a mulher de alguém

Por Letícia Moreira

A romantização de relacionamentos extremamente tóxicos, nocivos são banais na sociedade. Estipulados através dos mais variados meios de comunicação, literatura, cinema, músicas… Quantas letras retratam um relacionamento/sentimento tóxicos e por vezes até doentio em nome de um pseudo amor, alimentando a ideia deturpada de que se é de fato amor tem que doer . Se está difícil o relacionamento então é ‘’porque é amor de verdade” e o sentimento vencerá os obstáculos. É natural que uma relação tenha problemas e que haja desentendimento, no entanto os agravantes se encontram nos excessos. Brigas em demasia, conflitos que não se findam, esses excessos não podem e não deveriam ser tomados como sinônimo de prova de amor.

Viver num relacionamento onde a perda da identidade constante, em que as prisões são impostas em nome do ‘muito amar’, onde os nãos se tornam mais constantes que os sins é muito preocupante. Frases como “ Não quero. Você não deve. Não pode” nunca deveriam ser vistas como excesso de cuidado, sentimento. É Lastimável chegar ao ponto de ter que acentuar um fato desses. Catalisa o dissabor ver que ainda há pessoas que não conseguem compreender isso. E não, não as julgo. Muitas vezes as ‘vitimas” desse tipo de relacionamento estão acorrentadas demais em sua própria situação danosa para de fato entender e sentir essa realidade. Quem olha de fora consegue ter um olhar imparcial, mas o individuo preso no relacionamento não, pois o sentimento que a pessoa julga sentir vai falar mais alto, ainda que ilógico e irracional.

É necessário desenvolver a capacidade critica de rejeitar aquilo que nos é imposto, de forma que nós possamos perceber que pode haver alguma coisa de errada na nessa perspectiva de relacionamento. Podemos perceber que há musicas do tipo “ que todo amor bem grande só é bonito se for triste”, “ permaneço sem amor, sem luz, sem ar” ou extremos do tipo “ sem você não tem sentido viver”. A patologia abrangente essas letras é assustadora por si só, porém a situação consegue se tornar mais alarmante quando há quem acredite que isso é amor verdadeiro, até porque só é amor se ferir, machucar, doer desgraçadamente.

Não,minha cara, isso não é amor, isso é doença. É tóxico. Nefasto. E não precisamos desse tipo de relacionamento para ser quem somos, pelo contrario esse tipo de ‘amor’ é justamente o que nos impele de fato sermos. Sequestrando nossa subjetividade, nossos sonhos, perdendo aquilo que nos caracteriza como únicas, nossa identidade.

Somos levadas a esse tipo extremo de situação porque achamos que uma presença masculina poderá suprimir nossas carências, ausências, falhas, quando não pode. Entretanto, esses estão longe de ser os únicos motivos responsáveis por esse tipo de sujeição. Culpabilizo essa visão idealizada do amor sofredor pregada pela sociedade, porém também procuro culpabilizar nossa própria visão romântica que podemos salvar o outro. Queremos ser salvas, protegidas e amadas por uma figura masculina, entretanto no outro lado da moeda também queremos salvar, transformar e virar de ponta a cabeça a vida alheia. A verdade é que não vamos salvar nosso‘ grande amor’ e tampouco ele nos salvar. Relacionamentos não são feito para salvar ninguém A realidade( ainda que dura e distante dos contos de fadas) e que não vamos salvar ninguém, a não ser a nós mesmas.

Esse contexto vivenciado por muitas mulheres é presente desde a infância, no cerne da construção do nosso Eu, quando ainda estamos aprendendo tanto sobre nós e sobre o mundo. Habituadas as “historinhas para crianças” vulgo conto de fadas, com o famoso “ felizes para sempre” ali reluzindo para que o persigamos desenfreadamente através de relacionamentos amorosos, o que por vezes resulta em desapropriação de quem somos. São tantos relacionamentos que nos sequestram, nos fragmentam e geram duvidas a respeito do nosso Eu. Erramos em por a felicidade individual em mãos alheias. Ninguém deve ser responsabilizar de algo que é tão subjetivo.

A felicidade existe para ser compartilhada, somada, e não entregue numa bandeja com direito a uma carta branca de faça o que quiser da minha vida. Atrelado a felicidade entregue, vem de brinde as cordas. Cordas da manipulação emocional que o outro tem acesso ao o responsabilizarmos por nossa felicidade. A recíproca também é válida, recebemos o peso da infelicidade alheia quando o outro projeta em nós seu ideal de “mulher dos sonhos” e sem sequer pedirmos nos entrega sua felicidade em nome de um suposto amor, quando na verdade através dessa atitude nos tornamos ainda mais prisioneiras de um relacionamento nocivo.

Nascemos para conquistar muito mais que um casamento, temos capacidade de muito mais. Muitos mais aquém de que ser a mulher de alguém. Temos sim potencial para nos libertamos das grades de um relacionamento destrutivo que vem muito bem fantasiado de “ amor da minha vida”, romper com algo que nos comprime, nos torna menores, assim nos reduzindo. Somos mulheres, somos muito mais que essa idealização que nos é imposta em busca do “ grande amor” porque o amor que é capaz de provocar mudanças construtivas é aquele que vem de dentro de nós, é aquele que sentirmos ao fim da tarde ao reunir a família, ao rever os velhos amigos. O amor romântico foi deturpado pela sociedade,é uma grande falácia. O amor a dois pode sim ser muito bem vivido, no entanto, creio que seja longe de tudo aquilo que nos foi ensinado.

Sofrer por ‘amor’ não é bonito, tampouco romântico, se negligenciar por alguém está longe de ser prova de amor, está mais próximo de falta de amor. Há tanta vida lá fora, longe desses padrões sádicos vendidos. Há um horizonte de conquistas a serem exploradas e realizadas por nós, tantas tonalidades para serem borradas, vivificadas. Existe um outro mundo longe desse cativeiro que nos ensinaram a chamar de amor, que está distante de fato ser. Tem tanto para ser descoberto para além dos traumas, um passo adiante da dor, um novo mundo repleto de descobertas esperando para ser explorado.

Imagem de capa: Shutterstock/Dmitry A

TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS

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