Recentemente estive estagiando em uma escola de ensino fundamental, tendo a escola selecionado os alunos que apresentam maiores dificuldades. Um deles, estudante do 2º ano,  foi apresentado pela escola como o “menino que não fala “. Segundo a coordenadora, desde o primeiro dia que entrou na escola nunca ninguém ouviu sua voz, não tem amizades na escola, não faz as atividades propostas, não participa da aula, não pede para ir ao banheiro já tendo feito xixi nas calças e segundo a mãe, quando chamada a comparecer na escola, o menino falava até de mais em casa.

Curiosa com o caso, após contato com o aluno e observação em sala de aula, e tentativas de interação e aplicação de atividades em sala de aula, percebi que o garoto não mantem contato visual e se fecha ainda mais quando alguém está o observando. Pesquisando a respeito, encontrei uma designação muito parecida com o caso, para assim não dizer patologia, posteriormente confirmada por dois psicólogos.

Mutismo seletivo é um distúrbio emocional raro, que afeta o desempenho comportamental da criança.  As crianças que aparentam comportamentos característicos desse distúrbio costumam falar em casa e brincar normalmente com os irmãos, mas se mantém caladas na presença de um adulto ou de crianças estranhas. Às vezes essas crianças não conseguem nem pedir para ir ao banheiro na escola.

O mutismo seletivo pode acontecer por vários fatores, como sobre a influência dos fatores ambientais e situações interpessoais, por uma experiência negativa pela qual a criança passou (violência física ou verbal, ou uma grande decepção), pela genética (estatísticas mostram que muitas crianças afetadas pelo transtorno têm um parente próximo com histórico de transtornos emocionais e a patologia é mais encontrada nos filhos de pais tímidos ou distantes), influência do comportamento dos pais nos relacionamentos com outras pessoas, bem como suas alterações de humor podem dar à criança impressões problemáticas sobre o relacionamento humano, gerando certa ansiedade fóbica social.

A própria personalidade da criança pode favorecer aparecimento do transtorno. Em alguns casos o mutismo seletivo ocorre após algum trauma, como morte, início escolar, seqüestro, violência. Todos de alguma maneira relacionados à separação do cuidador da criança, sendo considerado um tipo de transtorno fóbico. É importante lembrar que as crianças com mutismo seletivo após imigração para país com outra língua não pode recebe esse diagnóstico, já que o fato pode ocorrer em resposta ao isolamento social que a língua estrangeira proporciona e mesmo, principalmente, pelo choque cultural .

O estudo sobre mutismo seletivo ainda é raro no Brasil, tendo os profissionais encontrado bastante dificuldade no tratamento. O trabalho em conjunto com um profissional especialista em psiquiatria da infância e adolescência é de extrema importância para que possamos ter um diagnóstico diferencial e conduzir o caso da maneira mais adequada, sendo que muitas vezes é necessário que façamos uso de medicação especifica.  Mas este ponto é de estrita responsabilidade do psiquiatra.

Sabendo disto, foi necessário realizar uma anamnese com a mãe da criança, tendo os resultados justificado ainda mais este quadro. A família sofreu uma mudança abrupta vindo de outro estado recentemente, em busca de melhores condições de vida, porém as dificuldades na cidade atual foram ainda maiores, tendo a mãe que vender objetos em troca do alimento do dia. Segundo a mãe, o filho não gosta de morar aonde está e não gosta da escola, dizendo querer voltar para a cidade natal. Nenhum fator importante que pudesse afetar o desenvolvimento biológico do menino foi relatado, nem mesmo maus tratos. Outro fator observado foi o comportamento da mãe, que também é muito tímida e pouco fala.

Quem se depara com esse problema tem inúmeras dificuldades em lidar com o caso, não sabendo como agir. Primeiramente é importante observar todo o histórico de vida da criança e o contexto, percebendo se este isolamento está sendo prejudicial a ela ou é uma livre escolha da mesma, devendo assim respeitar os limites da criança, pois se este for o caso, será difícil algum resultado mediando esforços.

Algumas dicas são possíveis para quem se deparar com o problema. Técnicas alternativas de relaxamento, yoga para crianças também são muito bem vindas, além de se estabelecer uma boa relação terapêutica para que a criança ganhe confiança.

Algumas orientações devem ser passadas para os pais, tais como: A criança não deve ser forçada a falar; os pais devem elaborar inicialmente formas alternativas de comunicação através de símbolos, gestos ou cartões; não devem permitir que outras pessoas respondam pelo filho(a); solicitar gradualmente a exposição oral da criança;  reforçar a criança todas as vezes que houver um aumento no comportamento verbal da criança.

O tipo de reforço precisa ser de preferência da criança (elogios, abraços, doces preferido, entre outros); encorajá-las sempre que possível, fazer pequenas solicitações ou cumprimentos a pessoas estranhas, como por exemplo pedir para ir comprar pão; evitar que seu filho seja o centro das atenções; identificar a compatibilidade com algum amigo para jogar e brincar com a criança algumas vezes dentro e fora de casa;  utilizar a dessensibilização sistemática.

Por exemplo, usar um reforço quando a criança sussurrar uma palavra e gradualmente aumentar a exposição até a criança dizer uma palavra em volume normal para algum estranho; planejar passeios em família fora de casa. Algumas estratégias devem ser usadas pelo professor para auxiliar o tratamento, incluem: Permitir que a criança se comunique não-verbalmente no início, para depois utilizar a comunicação oral; não permitir que outros amigos respondam pelo aluno; solicitar gradualmente a exposição oral da criança;

Se possível colocar as mesas em forma de grupos; reforçar positivamente interações sociais faladas ou não; reforçar qualquer tentativa de enfrentamento de situações interpessoais e ir ampliando progressivamente as exigências; Encorajá-las sempre que possível, fazer pequenas solicitações ou cumprimentos a pessoas estranhas. Ex. pegar ou entregar material fora de sala.

Os professores devem sempre que possível tentar iniciar conversas fora da presença de outros alunos, devem tentar também, não colocar a criança como sendo o centro das atenções, pois isso aumenta a ansiedade da criança; não estabelecer comparações com outros companheiros; não permitir que os demais colegas o insultem, intimidem ou riem dele(a);  estimular e envolver os colegas para que o ajudem e para que participem nas sessões de intervenção; o aluno não deve ter métodos de avaliação diferente da turma, entre outros.

Porém, seguindo uma perspectiva histórico cultural, foi refletido se este distúrbio deve ser considerado uma patologia ou apenas uma forma da criança se posicionar no mundo, a forma como ela escolheu se comportar para defender suas vontades e vivencia um período da sua vida.  Lembrando que esta análise deve servir não apenas para o mutismo seletivo, mas para qualquer estudo, a fim de não patologizar qualquer comportamento.

Amanda Sabatin Nunes da Silva

Psicóloga formada pela Puc-Campinas e em terapia por contingências de reforçamento (TCR) pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR), aonde curso especialização. Procuro sempre me aperfeiçoar nas áreas de interesse, estando por dentro das novidades da análise do comportamento no contexto da clínica, psicologia hospitalar, orientação vocacional, psicologia escolar. Fiz aprimoramento em ABA para autistas e além de atuar no contexto da clínica, faço treinamento em serviço na UNICAMP, aonde atendo muitos casos de transtornos mentais. Sempre me interessei muito por textos que abordam assuntos psicológicos, sentimentos, personalidade, relacionamentos e sempre gostei muito de escrever temas psicológicos e acredito que escrevendo também se aprende, por isso tento criar novos conteúdos em relação ao que aprendo e compartilhar conhecimentos. Sou bastante curiosa, proativa, organizada e determinada. Espero ser uma forma de crescimento e que os conteúdos possam ajudar a todos.

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