Outro dia, fiz mais uma de minhas insistentes releituras de ‘O Pequeno Príncipe’, livro de Antoine de Saint-Exupéry, e tive a impressão de sempre. É que os leitores costumam ver essa obra como sendo destinada ao público infantil e acabam subestimando o potencial reflexivo que ela encerra.
O Pequeno Príncipe é um livro, cuja leitura pode suscitar diferentes reflexões e, entre elas, destaca-se o questionamento sobre como, sob o peso de rótulos do que seja ser um adulto, as pessoas tornam-se rígidas e infelizes. O livro conta o episódio na vida de um aviador que, devido a uma pane na aeronave, acaba isolado no deserto e depara com um principezinho.
O pequeno príncipe é um ‘homenzinho’ que surge como doce aparição e aparência infantil, levando o piloto a retomar antigas inquietações sobre o que é ser ‘gente grande’. As muitas perguntas que o intrigante príncipe faz ao piloto encarnam as inquietações do aviador que ali, longe de tudo, pensa sobre como a ‘gente grande’ age de forma pouco espontânea, esquecida de como era na infância e será na velhice. Como os adultos, movidos por interesses distantes da própria essência, forçados por ditames artificiais e valores utilitaristas, vão se afastando da felicidade de agir livres de imposições sem sentido.
Mas, essa estereotipia do comportamento adulto não ocorre por acaso. Na escala do desenvolvimento, essa é a etapa mais estável da vida. Nela não há grandes mudanças evolutivas. Daí tornar-se adulto é o ápice das conquistas do desenvolvimento, quando, após as aquisições da infância e adolescência, estamos prontos para agir com equilíbrio e eficiência.
A questão é que levamos essa noção de estabilidade a todos os aspectos do agir adulto, e assim, empobrecemos nosso comportamento, que de elástico, torna-se fixo e rígido.
No livro, isso fica bem claro, quando o pequeno príncipe visita alguns asteroides e encontra em cada um deles, um personagem que exemplifica esse fenômeno de forma nítida.
São personalidades regidas por crenças limitadoras. Sofrem de adultice crônica, ou seja, estão apegados a um aspecto que eles julgam que os levam a ser eficientes e amados. Vejamos os tipos que o principezinho encontra e o que seria a adultice crônica ficará mais claro.
No primeiro asteroide, há um rei mandão que não sabe fazer nada além de emitir ordens; o segundo, é um vaidoso que quer ser aclamado, mesmo sem razões para isso; no terceiro asteroide, vive um bêbado que se embriaga para esquecer a vergonha de viver embriagado; o quarto é habitado por um empresário sem tempo para viver, por estar ocupado demais contando o patrimônio; no quinto, existe um acendedor de lampiões que teima em acender luzes para nada (essa alegoria é rica pois encerra a mensagem de que o trabalho precisa ter sentido) e finalmente, o sexto asteroide tem por morador, um geógrafo desnorteado e obcecado em registrar dados que jamais serão considerados.
E será que muitos de nós não encarnamos essas obsessões ou estereotipias? Será que não nos apegamos exageradamente ao desejo de ter controle sobre tudo? Será que não supervalorizamos a dimensão utilitária da vida em prejuízo do seu lado sensível? Será que não seguimos cegamente a rotina e abafamos a disposição para experiências inéditas que nos fariam experimentar facetas mais flexíveis da personalidade?
Ser adulto é ser capaz de amar, trabalhar, refletir e conhecer fazendo uso de todo o potencial. A idade adulta é estável do ponto de vista do desenvolvimento físico, mas nada nos impede de crescer emocionalmente e desenvolver competências práticas, cognitivas e sensíveis.
A adultice crônica empobrece a vida. Atingir a maturidade deve ser suporte para agirmos com segurança, sem perdermos a capacidade de nos enternecer, ousar e experimentar criativamente, os muitos caminhos que a vida oferece.
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