Por Fernando Trías de Bes
Há estudos que mostram que alguns profissionais são mais inventivos quando trabalham sob pressão, mas que essa criatividade é de pior qualidade. Calibrar e ajustar os tempos na hora de tomar decisões é a melhor solução.
A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert é um romance altamente recomendado do escritor Joël Dicker, thriller de alto suspense em que o protagonista, um autor chamado Marcus Goldman, investiga o assassinato de uma menina em uma pequena cidade de New Hampshire, enquanto escreve um romance que seu editor espera para uma data determinada. O romance em que trabalha é a própria investigação, de forma que é muito difícil cumprir os prazos. Novas descobertas cada vez mais surpreendentes o impedem de chegar a um desenlace que seja fiel ao que realmente aconteceu. O editor está cada vez mais desesperado, e Marcus Goldman se vê obrigado a tomar uma decisão: descumprir o prazo acordado ou entregar no tempo um romance que mais tarde se revelará falho?
Essa trama reflete perfeitamente uma situação difícil em que muitas vezes nós profissionais nos encontramos quando devemos optar por cumprir uma data que nos foi fixada para a entrega de um trabalho, ou descumprir o prazo mas alcançar padrões de qualidade com os quais nos sentimos confortáveis. O ideal é realizar ambos, é claro: excelente qualidade e prazos acordados. Mas se for preciso escolher, a grande maioria opta por perder o prazo e entregar mais tarde. Esta preferência se deve a duas razões, principalmente.
Em primeiro lugar, o receptor do nosso trabalho costuma ter, por sua vez, um outro cliente (interno ou externo) que também lhe fixou uma data de entrega, e não será tão tolo a ponto de não deixar uma certa margem de manobra. Assim se faz uma estimativa das cartas do seu oponente e se usa alguns dias a mais que considera ter disponíveis.
O problema é que quando o cliente percebe, o que faz da próxima vez? Fixa um prazo que permita ainda mais tempo para ele. “Como vão entregar dois dias mais tarde, pedirei que me entreguem cinco dias antes”. Isso só funciona uma vez, porque o provedor acaba se inteirando e na entrega posterior vai pegar esses cinco dias, em vez dos dois que precisava antes. E assim por diante. A gestão de prazos se converte em um jogo de cartas: “Quantos dias a mais devo ter e não me dizem?”. Um desastre para a gestão de calendários.
O segundo motivo é que se coloca a própria satisfação no trabalho em detrimento do prejuízo alheio devido ao atraso. Na minha própria experiência profissional, cheguei à conclusão que a má qualidade de uma entrega desperta todo mundo, enquanto o ligeiro atraso, mesmo que tenha causado algum prejuízo, não é lembrado por ninguém ao longo do tempo. Se uma agência de publicidade ou um designer gráfico entrega um anúncio que acaba se tornando um grande sucesso, ninguém vai levar em conta que saiu uma semana mais tarde do que o previsto, mesmo que isso tenha custado dinheiro. Em vez disso, uma campanha sem resultados entregue na hora só ficará na memória porque não funcionou. Normalmente, os clientes são perdidos mais pela qualidade do que por prazos.
No entanto, como os clientes sabem, o que eles fazem? Costumam fixar sanções por atrasos nas entregas. É curioso que não haja incentivos positivos para entregar no prazo, e sim negativos se chegar tarde. Suponho que seja herança da disciplina escolar: os atrasos custam nota e a pontualidade nunca soma. Um erro crasso, porque o ser-humano, especialmente em tarefas criativas, reage melhor aos incentivos positivos do que aos negativos.
Há pessoas, especialmente aquelas que desempenham tarefas artísticas ou criativas (designers, arquitetos, publicitários, escritores…), que reconhecem trabalhar melhor sob pressão do que quando dispõem de um tempo folgado. Para esse tipo de profissionais, e há muitos, não adianta nada atribuir um prazo amplo porque, até que não se vejam com água até o pescoço, sua mente não começa a trabalhar. É normal? Sim, é.
A pesquisadora de Harvard Teresa Amabile comprovou empiricamente que, sob pressão, se obtém mais criatividade. No entanto, a qualidade obtida é inferior. Se você vai para a selva e se depara com um leão, sua inventividade será imediata. A pressão do momento irá forçá-lo a pensar muito rápido. Mas a solução teria sido melhor se tivesse tido mais tempo para ponderar adequadamente todas as alternativas que tinha para não ser devorado.
Esse assunto afeta até a vida pessoal. Nos dias prévios a uma entrega, designers, publicitários, designers gráficos, diretores de arte, consultores, auditores, fiscais e outros passam em branco, trabalhando até altas horas da madrugada em jornadas de trabalho totalmente proibitivas. O cansaço e o sono sempre resultam em uma qualidade inferior, o que significa que, às vezes, clientes que querem prazos muito apertados acabam provocando eles mesmos qualidades inferiores do que poderiam obter.
Qual é a solução? O importante é manter uma comunicação estreita, que não seja fiscalizadora. Ir verificando o progresso realizado de ambos os lados. Nem esconder verdades –tais como percentual de trabalho realizado que não é verdadeiro– ou forçar mentiras –tais como “entrega já porque não tenho mais dias”–, quando você ainda tem duas semanas.
A comunicação funciona desde que ambas as partes cumpram o que acertaram, se houver confiança. Fragmentar as tarefas e fixar prazos para cada uma delas é parte da solução.
No que diz respeito aos profissionais, recentemente foram publicados hábitos de escritores renomados durante sua jornada: a imensa maioria realiza suas tarefas criativas na parte da manhã. Eu acrescentaria: realizar correções à tarde e as tarefas mais mecânicas à noite.
TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS
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