Por Aina Cruz
O ser humano tem um problema de insatisfação contínua. Tentamos quase o tempo todo negar que temos esse desvio de personalidade, mas quanto mais eu vivo, mais eu confirmo que a felicidade é quase uma punição. Quer ver alguém desorientar-se? Ofereça-lhe sua vida em perfeita ordem. Nada desconserta mais do que estabilidade e um “tudo bem” que parece inabalável. Sinceramente, não sei se é apenas o medo do tombo que nos paralisa e enlouquece.
Por vezes, acredito que isso não passa de balela e que temos um grande apego ao vazio. Afinal, ele é a única coisa que nos acompanha por toda a existência. Companheiro de toda a vida, ausentando-se por instantes raros e finitos. C. era o tipo de pessoa que vivia dizendo: “quando eu…, aí serei feliz!”. Isso começou ainda na infância, quando os primos a menosprezavam nas brincadeiras.
Tardou um pouco, mas quando ela tinha 18 anos de idade, eles começaram a gostar dela. Só que nessa época, C. tinha um outro problema… Precisava sair de casa, porque a adolescência havia acabado com a boa relação que antes mantinha com seus pais. Então, precisava de um canto pra chamar de seu.
Quando passou no vestibular e mudou-se para a capital, tinha uma nova questão. Estava cansada de ter casinhos por aí, queria viver um grande amor. Quando arrumou um namorado, passou a sofrer por estar com ele; afinal, ela queria morar na França, e ele não aprovava a ideia.
Ao chegar em Paris, desiludiu-se porque sentia saudade dos grandes amigos e da família – tão eficazes em ler sua alma. Ao retornar à cidade cinza, não se adaptou e passou a sentir saudade de seus amigos franceses. Sempre queria o que não tinha e, quando tinha, não queria mais. Porque, então, já queria outra coisa. E assim era, cigana na vida e nos sentimentos, mutável, inconstante. Não, caro Bauman, ela não era líquida… C. era volátil.
Começou a trabalhar e mudou de profissão uma centena de vezes em menos de dez anos. Aquilo que fazia sempre parecia pouco e uma sensação constante de “então é só isso?” inundava rapidamente seus dias, não lhe deixando outra opção que não fosse largar tudo e recomeçar, mais uma vez, do zero.
Claro que entrava em crise. Óbvio que fazia análise três vezes por semana. Certamente percebia que tudo aquilo era uma loucura, que precisava desacelerar. Notava que corria “desrumadamente” atrás de algo que nem ela mesma tinha a mais vaga idéia do que era. Um dia C. conheceu um cara. Ela andava querendo misturar o compasso de seus passos ao andar de outro alguém e construir, tijolo a tijolo, lentamente, algo que ela nunca havia tentado e que agora lhe parecia bom.
O sujeito em tudo se encaixava em seus planos para aquele momento: queria tentar levar uma vida mais tranquila, longe do monóxido de carbono de São Paulo, andando de bike na praia e cultivando sua horta no jardim. Mas, de repente, analisando toda essa confluência de desejos, C. travou. Não sabia mais se queria tentar, se deveria mesmo ir, já não queria construir e nem viver nada. Estava completamente paralisada.
“Que me partam o coração, que me levem os bons dias, as risadas, as noites de festa. Mas no meu vazio e no meu imenso e incompreendido tédio, ninguém mete a mão”, dizia C. aos berros dentro do carro, presa no engarrafamento. Desistir é bem mais fácil que tentar. E conta com um enorme benefício: você pode ficar ali, quietinho, com a sua desilusão.
Ficar olhando a vida acontecer, assim, da janela, é mais seguro mesmo. Contudo, é também bem mais chato. Se adiarmos cada passo sempre, por medo e por apreço à nossa confortável postura descrente, jamais sairemos do lugar. E não vamos sofrer menos por isso.
Porque o sofrimento é a condição sine qua non da existência. Vamos roer a erva daninha do mundo de todo jeito… Não há como evitar! Então, por que não dar a cara a tapa? Precisamos exercitar o “seguir em frente no matter what”. Se quiser: faça.
Não interessa se é a melhor opção, nem se vai dar certo, nem se você está surtando de medo.
Saia da sua zona de conforto.
O máximo que pode acontecer é dar tudo errado, mas isso acontece inúmeras vezes durante a vida. Mesmo quando somos budas pacientes e analíticos, observando todos os prós e contras de cada folha seca que despenca de uma árvore no Ibirapuera.
Em momentos de pânico, bug, em que o sistema emocional trava de vez, é preciso entoar o mais belo mantra do mundo moderno: “vive, porra!”. Fale isso alto, respirando fundo e expirando após evocá-lo. Você verá que o medo se dissipa, e uma imensa fome de experiências começa a formigar no dedo do pé, subindo irrequieta por suas pernas, até atingir em cheio seu coração.
Aí, amig@, é só correr pro abraço.
Porque a vida fica linda quando a gente a beija na boca e dá a ela todas as possibilidades!
Imagem de capa: Shutterstock/Vanatchanan
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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